quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Brasil Carinhoso pode baixar pobreza extrema infantil a 0,6%


Simulação está em Nota Técnica que foi lançada nesta quarta-feira, 26, pelo Ipea


Foto: João Viana
O programa Brasil Carinhoso poderá proporcionar a conquista histórica de chegar a quase zero a taxa de pobreza extrema.
O Programa Brasil Carinhoso tem a capacidade de reduzir a pobreza extrema entre crianças de 0 a 15 anos a um patamar residual, segundo estudo lançado hoje pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A Nota Técnica nº 14 da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc), intitulada O Bolsa Família depois do Brasil Carinhoso: uma análise do potencial de redução da pobreza extrema, revela que, se o desenho atual do programa tivesse sido implementado em 2011, a taxa de pobreza extrema entre a população de 0 a 15 poderia ter caído para apenas 0,6%.

A Nota Técnica explica as mudanças pelas quais o desenho do Programa Bolsa Família (PBF) passou de 2003 a 2011. Durante esse período, constatou-se que a iniciativa era mais efetiva entre famílias que contavam com renda própria mais próxima de R$ 70, mas não conseguia resgatar da pobreza extrema famílias sem renda, ou com renda muito baixa.

“As famílias que eram extremamente pobres e que tinham crianças de 0 a 5 anos, mesmo recebendo o benefício, continuavam extremamente pobres. Agora, o benefício deixa de ser pago em função da composição familiar e passa a ser pago em função do hiato de pobreza, ou seja, do quanto falta para a família deixar de ser extremamente pobre”, afirmou Rafael Guerreiro Osorio, diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, ao explicar de que forma o Programa Brasil Carinhoso, implementado em 2012, impactou o desenho do PBF.

De acordo com Osorio, que detalhou a Nota Técnica, já durante o primeiro reajuste do PBF em 2011, primeiro ano do governo atual, ficou patente a determinação de se privilegiar as crianças. “De 2011 para 2012, ao contrário dos demais benefícios básicos por criança e jovem, a transferência média por beneficiário aumentou. Isso já é efeito do Brasil Carinhoso”, declarou o diretor de Estudos e Políticas Sociais.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Fantasma do Golpe sempre rondando o Planalto

Amaury Ribeiro Jr. promete revelar em novo livro bastidores do complô para derrubar Lula e Dilma

publicado em 19 de dezembro de 2012 às 20:32



Amaury e o primeiro petardo (foto LCA)


por Luiz Carlos Azenha

Na semana seguinte às eleições municipais em que Fernando Haddad derrotou José Serra em São Paulo, episódios estranhos começaram a acontecer em torno do premiado repórter Amaury Ribeiro Jr., autor do livro Privataria Tucana, o best seller que vendeu 150 mil cópias.

Primeiro, ele foi procurado por telefone por um homem de Guarulhos que prometeu documentos relativos à Operação Parasita, da polícia paulista, que investigou empresas que cometiam fraudes na área da saúde. Foi marcada uma reunião, mas a fonte se negou a entrar no local de trabalho de Amaury. Quando se encontraram pessoalmente, do lado de fora, a história mudou: o homem ofereceu a Amaury a venda de material secreto que teria como origem o despachante Dirceu Garcia.

No inquérito da Polícia Federal que apura a quebra de sigilo de dirigentes do PSDB, aberto durante a campanha eleitoral de 2010, Dirceu é a única testemunha que acusa Amaury de ter participado da violação. “Novamente, estão querendo armar contra mim”, diz Amaury. “Mas desta vez a trama foi toda gravada por câmera de segurança”.

Em seguida, outra situação nebulosa, desta vez supostamente para atingir a Editora Geração Editorial, que publicou o Privataria Tucana. Um “ganso” da polícia paulista marcou encontro com o diretor de comunicação, William Novaes, com o objetivo de entregar um dossiê que incriminaria vários políticos tucanos, entre eles o ex-senador Tasso Jereissati.

O encontro, do qual Amaury também participou, foi gravado por câmeras ocultas. Amaury acredita que o objetivo era entregar à editora material falso que pudesse ser usado para desqualificar seu livro. Diante da recusa, a mesma suposta “fonte”, que responde a vários processos por estelionato, ligou para a editora dias depois dizendo que Amaury corria risco de vida.

“Acredito que eles pretendiam me acusar de obstruir o processo em andamento, o que poderia até resultar em minha prisão”, avalia o repórter.

Na mesma semana, narra Amaury, o ex-sub-procurador da República, hoje advogado José Roberto Santoro, que segundo a revista Veja tem ligações com o tucano José Serra, procurou a direção do jornal O Tempo, de Minas Gerais, para intermediar um encontro com a direção do jornal Hoje em Dia, onde Amaury mantém coluna semanal.

O objetivo, segundo o repórter, seria reclamar de uma nota publicada na coluna de Amaury relativa a uma mineradora de Minas e ao ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung. Mas, de acordo com Amaury, no encontro Santoro não reclamou objetivamente do conteúdo da coluna. “Ele ficou falando mal de mim, tentando levar à minha demissão e quando foi advertido pelos diretores do jornal aumentou ainda mais o tom de voz, como se estivesse numa crise histérica”, diz o repórter. A coluna continua a ser publicada.

Qual seria a explicação para esta sequência de eventos?

Amaury sustenta: “Está ocorrendo um verdadeiro complô, articulado provavelmente por tucanos, com apoio de setores da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. O objetivo é derrubar primeiro o Lula e depois atingir a presidenta Dilma”.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Ex-ministro de Mandela pede “momento Lula” na África do Sul

(texto original em ingles no post anterior)

O sul-africano Jay Naidoo é Secretário Geral da Cosatu, ex-ministro do governo de Mandela e Presidente da GAIN, uma fundação global que combate a desnutrição no planeta. Ele se encontrou com Lula, durante a visita do ex-presidente à África do Sul, no dia 17 de novembro, e disse que o encontro “será difícil de esquecer”. Em um texto publicado no portal “Daily Maverick”, Jay Naidoo explica por que acredita que um “momento Lula” seria importante para seu país.


O momento Lula e este nosso país, a África do Sul

(Por Jay Naidoo, 23 de Novembro de 2012)


“O maior legado de minha presidência não são os programas que tiraram 30 milhões de brasileiros da pobreza absoluta e criaram 15 milhões de empregos. Foram a prestação de contas das instituições públicas e uma real parceria com o empresariado, o movimento sindical e a sociedade civil que trouxeram esperança ao povo. Pusemos as necessidades das pessoas em primeiro lugar. Não as nossas”. Este foi o ponto fundamental que o ex-presidente Lula expôs quando nos encontramos esta semana. Foi um encontro que vai ser difícil de esquecer.

“Eu não era o presidente. O povo era o presidente. A fundação do “Milagre Brasileiro” não é minha. É do povo. Se eu fracassasse com minha gente, o povo que me elegeu, seria o próprio povo fracassando, e os pobres provariam que seus críticos estavam certos e que nós não tínhamos o que era necessário para comandar”, diz ele enfaticamente.

The "Lula Moment" and this country of ours, South Africa

(texto em português no post seguinte)


Por Jay Naidoo (23-11-2012)

“The biggest legacy of my presidency is not the programmes that took 30 million Brazilians out of absolute poverty and created 15 million jobs. It is the accountability of the public institutions and real partnership with business, labour and civil society that brought hope to the people. We put the needs of the people first. Not ours.” This was the fundamental point that ex-president Lula made when we met this week. It was a meeting that would be difficult to forget.

“I was not the president. The people were the president. The foundation of the ‘Brazilian Miracle’ is not mine. It is that of the people. If I failed my people who elected me, it would be the people failing, and the poor would be proving their critics right that we did not have what it takes to rule,” he says emphatically.

The challenges of the first term were tremendous. Faced with hyper-inflation, an unfriendly bureaucracy and suspicious military, the Lula Administration faced difficult choices. The Workers’ Party, led by Lula, only represented 17 % of the members of a fragmented and chaotic Congress, dominated by powerful vested interests that would more often than not oppose his policies. 

He recognised the need to stabilise the macro-economic environment through a set of pragmatic policies that established stability. But he did that through a transparent dialogue even with his fiercest critics.

Lula is the antithesis of the ‘big man’ syndrome of political arrogance that dominates so many governments. He criss-crossed the country; engaged the landless movements, trade unions, civil society and social movements.

domingo, 9 de dezembro de 2012

NIEMEYER: O POBRE ESTÁ NA FAVELA OLHANDO OS PALÁCIOS


Entrevista realizada por Paulo Henrique Amorim em 2007, na comemoração dos 100 anos de Niemeyer



Oscar Niemeyer concedeu uma entrevista sobre seu centenário, em seu apartamento, em Copacabana, no Posto 6, a Paulo Henrique Amorim, exibida na Recordnews e, em parte, no Domingo Espetacular. Niemeyer falou de Prestes, de Guevara, de Lula.

Niemeyer falou de Luiz Carlos Prestes, o líder comunista, de quem foi amigo pessoal e a quem protegeu para refundar o Partido Comunista. Quando Paulo Henrique Amorim perguntou o que ele faria se Che Guevara entrasse pelo apartamento adentro e lhe chamasse para participar de uma revolução comunista, Niemeyer respondeu que não tinha mais idade para isso, mas que ajudaria Guevara no que fosse possível, porque o considera um grande homem.

Niemeyer elogiou também o Presidente Lula: porque é um líder operário, que trabalha para ajudar o povo. Niemeyer acha que, apesar de tudo, o Brasil está no caminho certo, a economia cresce, a situação do povo melhora e a renda se distribui. Niemeyer elogiou a posição de Lula e de Chávez porque contribuem para afirmar o papel da América Latina diante dos Estados Unidos.

Niemeyer também diz que uma vez, em Moscou, os arquitetos soviéticos lhe perguntaram o que achava da arquitetura soviética. Ele disse que tinha muitas afinidades com eles, mas que a arquitetura não era boa, porque as colunas eram muito próximas umas das outras, não havia espaços.

Niemeyer também contou que, uma vez, o Partido Comunista Francês recomendou que ele não fosse prestigiar uma conferência do Sartre. Um dirigente do PCF disse que o Picasso era muito

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

IBGE: Triplicou o Acesso de Jovens Pretos e Pardos às Universidades em 10 anos



A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2012 mostra melhoria na educação, na década 2001-2011, especialmente na educação infantil (0 a 5 anos), onde o percentual de crianças cresceu de 25,8% para 40,7%. Dentre as mulheres com filhos de 0 a 3 anos de idade na creche, 71,7% estavam ocupadas. Entre os adolescentes de 15 a 17 anos, 83,7% frequentavam a rede de ensino, em 2011, mas apenas 51,6% estavam na série adequada para a idade. Já a proporção de jovens estudantes (18 a 24 anos) que cursavam o nível superior cresceu de 27,0% para 51,3%, entre 2001-2011, sendo que, entre os estudantes pretos ou pardos nessa faixa etária, a proporção cresceu de 10,2% para 35,8%.

A SIS revela que as desigualdades reduziram-se, na década 2001-2011, em razão da valorização do salário mínimo, do crescimento econômico e dos programas de transferência de renda (como Bolsa Família). O índice de Gini (mede a distribuição de renda) passou de 0,559, em 2004, para 0,508, em 2011.


terça-feira, 27 de novembro de 2012

BCG Mostra o quê que o Lulopetismo está fazendo com o Brasil

Entre 150 países: Brasil usa crescimento e inclui mais em 5 anos


O Brasil foi o país que melhor utilizou o crescimento econômico alcançado nos últimos cinco anos para elevar o padrão de vida e o bem-estar da população. Se o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu a um ritmo médio anual de 5,1% entre 2006 e 2011, os ganhos sociais obtidos no período são equivalentes aos de um país que tivesse registrado expansão anual de 13% da economia.


A conclusão é de levantamento feito pela empresa internacional de consultoria Boston Consulting Group (BCG), que comparou indicadores econômicos e sociais de 150 países e criou o Índice de Desenvolvimento Econômico Sustentável (Seda, na sigla em inglês), com base em 51 indicadores coletados em diversas fontes, como Banco Mundial, FMI, ONU e OCDE.

O desempenho brasileiro nos últimos anos em relação à melhoria da qualidade de vida da população é devido principalmente à distribuição de renda. "O Brasil diminuiu consideravelmente as diferenças de rendimento entre ricos e pobres na década passada, o que permitiu reduzir a pobreza extrema pela metade. Ao mesmo tempo, o número de crianças na escola subiu de 90% para 97% desde os anos 90", diz o texto do relatório "Da riqueza para o bem-estar", que será oficialmente divulgado hoje. O estudo também faz referencia ao programa Bolsa Família, destacando que a ajuda do governo as famílias pobres está ligada à permanência da criança na escola.



Nessa comparação de progressos recentes alcançados, o Brasil lidera o índice com 100 pontos, pontuação atribuída ao país que melhor se saiu nesse critério de avaliação. Aparecem a seguir Angola (98), Albânia (97,9), Camboja (97,5) e Uruguai (96,9). A Argentina ficou na 26ª colocação, com 80, 4 pontos. Chile (48º) e México (127º) ficaram ainda mais atrás.

Foram usados dados disponíveis para todos os 150 países e que fossem capazes de traçar um panorama abrangente de dez diferentes áreas: renda, estabilidade econômica, emprego, distribuição de renda, sociedade civil, governança (estabilidade política, liberdade de expressão, direito de propriedade, baixo nível de corrupção, entre outros itens), educação, saúde, ambiente e infraestrutura.

O ranking-base gerou a elaboração de mais três indicadores, para permitir a comparação do desempenho, efetivo ou potencial, dos países em momentos diferentes: 1) atual nível socioeconômico do país; 2) progressos feitos nos últimos cinco anos; e 3) sustentabilidade no longo prazo das melhorias atingidas.

Como seria de se esperar, os países mais ricos estão entre os que pontuam mais alto no ranking que mostra o estágio atual de desenvolvimento. Nessa base de comparação, que dá conta do "estoque de bem-estar" existente, a lista é liderada por Suíça e Noruega, com 100 pontos, e inclui Austrália, Nova Zelândia, Canadá, EUA e Cingapura. Aí o Brasil aparece em posição intermediária, com 47,8 pontos.

Para Christian Orglmeister, diretor do escritório do BCG em São Paulo, o desempenho alcançado pelo Brasil é elogiável, mas deve ser visto com cautela. "Quando se parte de uma base mais baixa, é mais fácil registrar progresso. O Brasil está muito melhor do que há cinco anos em várias áreas, até mesmo em infraestrutura, mas é preciso ainda avançar muito mais."

Entre os países que ocupam os primeiros lugares nesse ranking de melhoria relativa dos padrões de vida da população nos últimos cinco anos, a renda per capita anual é muito diversificada, indo desde menos de US$ 1 mil em alguns países da África até os US$ 80 mil verificados na Suíça. Além do Brasil, mais dois países sul-americanos _ Peru e Uruguai _ aparecem na lista dos 20 primeiros. Também estão nela três países africanos que em décadas passadas estiveram envolvidos em guerras civis _ Angola, Etiópia e Ruanda _ e que nos anos recentes mostram fortes ganhos em relação a padrão de vida. Da Ásia, aparecem na relação Camboja, Indonésia e Vietnã.

Nova Zelândia e Polônia também integram esse grupo. O crescimento médio do PIB neozelandês foi de 1,5%, mas a melhora do bem-estar foi semelhante à de uma economia que estivesse crescendo 6% ao ano. Na Polônia e na Indonésia, que atingiram crescimento médio do PIB de 6,5% ano, o padrão de vida teve elevação digna de uma economia em expansão de 11%.

O estudo também compara o desempenho recente dos Brics - além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - na geração de mais bem-estar para os cidadãos. Se em relação à expansão da economia, o Brasil ficou atrás dos seus parceiros entre 2006 e 2011, o país superou a média obtida pelo bloco em áreas como ambiente, governança, renda, distribuição de renda, emprego e infraestrutura, diz Orglmeister. China, Rússia, Índia e África do Sul aparecem apenas em 55º, 77º, 78º e 130º, respectivamente, nessa base de comparação, que é liderada pelo Brasil.

O desafio brasileiro, agora, é manter esse ritmo no futuro, afirma o diretor do BCG. "O Brasil precisa avançar em quatro áreas principalmente", diz. "Na melhora da qualidade da educação, na infraestrutura, na flexibilização do mercado de trabalho e nas dificuldades burocráticas que ainda existem para fazer negócios no país."

Para Douglas Beal, um dos autores do trabalho e diretor do escritório do BCG em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, embora os indicadores reunidos para produzir o Seda pudessem ser utilizados para produzir um novo índice, esse não é o objetivo do levantamento. "A meta é criar uma ferramenta de benchmarking, que possa fornecer um quadro amplo. com base no qual os governos possam agir."


Fonte: Valor Econômico / BCG - Boston Consulting Group

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Estados Unidos é país com mais pobres do 'clube dos ricos'

por Pablo Uchoa (Da BBC Brasil em Washington)


James Haskins trabalha como voluntário em almoço de Ação de Graças
 para a população carente.

Em um salão bem-iluminado e de tijolos aparentes, com fotos ilustrando as paredes e um quadro a óleo de Martin Luther King sobre um piano recostado a um canto, um voluntário dispõe pratos de sobremesa com fatias de tortas de abóbora e batata-doce sobre mesas comunitárias.

Guardanapos coloridos e arranjos de cartolina imitando abóboras marcam os assentos para a última leva de comensais que vieram para o almoço especial de Dia de Ação de Graças oferecido gratuitamente pela organização SOME (So Others Might Eat – "Para que outras possam se alimentar", em tradução livre), em Washington.

Em geral ausente do debate público – até, surpreendentemente, em ano de campanha eleitoral –, a situação dos mais necessitados reaparece, sazonalmente, no feriado que comemora a primeira refeição comum dos peregrinos e povos nativos que fizeram a história deste país.

Mas para organizações como esta, a preocupação nunca sai do radar. Este refeitório que servia, antes da crise econômica, em torno de 200 mil refeições por ano – café da manhã e almoço –, hoje serve quase 250 mil. A demanda subiu proporcionalmente à crise do emprego, que empurrou milhões de americanos para a pobreza.

Segundo os números do censo, os Estados Unidos tinham 46,2 milhões de pobres em 2011, o equivalente a 15% da sua população. Em 2009, o nível era de 13,2%.

De acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país mais rico do mundo é também, dentro do clube dos ricos, o que conta com a maior proporção de pobres.
Pobre país rico

Há várias faixas de renda para a definição de quem é ou não pobre nos EUA. Para um indivíduo e um casal com dois filhos, por exemplo, o nível de pobreza é definido por ganhos anuais de até US$ 11.702 e US$ 22.811, respectivamente.

O presidente Obama trabalhou em um refeitório da SOME em 2010.

Rendas inferiores a 50% destas faixas configuram pobreza aguda ("deep poverty"), dentro da qual estão 6,6% da população – o equivalente a 20,4 milhões de pessoas – contra 6,3% em 2009.

Um estudo recente da organização National Poverty Center identificou inclusive um contingente de 1,46 milhão de famílias – com 2,8 milhões de crianças – vivendo em pobreza extrema segundo as definições do Banco Mundial, ou seja, com menos de US$ 2 por pessoa por dia em um determinado mês.

Especialistas ressalvam que parte desses efeitos negativos é compensada por assistência que não entra nas estatíticas de renda, tais como a distribuição de vale refeições, moradia e deduções fiscais.

Austin Nichols, do instituto de pesquisa Urban Institute, em Washington, estima que se os vale-refeições e isenções fiscais fossem contabilizados, os EUA teriam 9,6 milhões de pobres a menos.

"De certa forma, isso faz com que os pobres nos EUA estejam em uma situação melhor que em outros países", disse Nichols à BBC Brasil, falando por telefone de Roma, onde participava de uma conferência da ONU sobre a fome.

"A razão para isso é que nosso sistema de benefícios se afastou das transferências de renda, nas quais os países europeus se apoiam mais que os EUA."

Mas infelizmente, escreve Nichols em sua análise, muitas medidas deste tipo, erguidas para conter os efeitos da crise econômica no seu início, estão expirando.

E ao longo deste ano, enquanto muito se falou dos incentivos para a classe média e o corte ou não de impostos para os mais ricos, poucas vezes foi mencionada a carência das pessoas que mais dependem delas.

Dificuldades

Funcionário prepara mesas de refeitório da organização 
beneficente americana Some

Algumas horas visitando entidades como a SOME indicam o tamanho do desafio. Além do refeitório, a organização oferece uma miríade de serviços para os mais pobres, incluindo duchas gratuitas, doações de roupas, sapatos e comidas, serviços de saúde primária, dental e mental, e assistência com a busca de moradias e serviços sociais.

James Haskins, que faz parte de uma igreja Batista em Maryland e esteve entre os voluntários no Dia de Ação de Graças, diz que as necessidades dos mais pobres não são apenas materiais.

"Não é apenas uma questão de falta de comida, ou de moradia, ou de ter o que comer", disse Haskins, ao lado de uma foto que mostra o presidente Barack Obama servindo almoço naquele mesmo refeitório, em 2010.

"Para eles, é uma questão de tentar fazer parte de alguma coisa, saber que podem contar com alguém".

A porta-voz da entidade, Nechama Masliansky, disse à BBC Brasil que a organização atende anualmente a 10 mil indivíduos diferentes, que utilizam seus serviços em muitos casos inúmeras vezes na semana.

A pobreza persistente ainda é um problema relativamente pequeno nos EUA, e muitos acabam se encontrando nesta situação após perder o emprego ou a capacidade de trabalhar. A falta de moradias acessíveis em cidades como a capital federal empurram famílias inteiras para as ruas.

Aos 48 anos, o ex-pedreiro Edward Fischer, hoje com 60, teve um ombro deslocado em um acidente. Passou quatro anos vivendo na casa da mãe e não conseguia retornar ao trabalho – até processar o antigo empregador e conseguir verba suficiente para pagar as contas e conseguir viver no seu próprio lar.

"Já cheguei a vir neste refeitório várias vezes por semana", disse Fischer, em meio a garfadas. "Hoje, ainda venho de vez em quando."

Longo prazo

Pintura de Martin Luther King decora refeitório,
 em Washington.

Nichols escreve que em 2009 e 2010, apenas 4,8% dos pobres permaneceram nesta situação por todos os 24 meses. Mas uma das características da mais recente crise econômica são os longos períodos em que os trabalhadores passam desempregados.

Em agosto último, 40% dos desempregados passavam mais de seis meses sem trabalho – o tempo do recebimento do seguro-desemprego regular. Nunca, desde os anos 1960, o percentual superou muito mais que 25%.

Para os especialistas, uma das consequências mais perversas desta pobreza persistente é o efeito que terá sobre as gerações futuras.

"Crianças criadas sob o espectro da pobreza são mais suscetíveis a continuar pobres, abandonar a escola, ter gravidez indesejada na adolescência e viver instabilidades no mercado de trabalho", diz outro estudo do Urban Institute.

Nos EUA, a pobreza atinge 22% das crianças – sendo que entre as crianças negras o percentual chegava a 37,4% em 2011. De certa forma, é um reflexo da pobreza entre mães solteiras chefes de família, que superava 31%.

Nichols vê nesses dados um risco à possibilidade de mobilidade social que deu início ao sonho americano.

Ele diz que, enquanto a classe média ou mesmo uma parte dos pobres ainda pode almejar a subir na pirâmide da sociedade, os 10% no chão da linha da pobreza já nascem, virtualmente, com o futuro selado de continuar sendo pobre.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Salve Joaquim, Axé Barbosa

por Cynara Menezes


(foto: STF)

Acredito menos em destino do que em sincronicidade, esta coreografia de acasos que permite a alguns acontecimentos se tornarem emblemáticos. E é, sem sombra de dúvida, emblemático que a posse do primeiro presidente negro da história do STF (Supremo Tribunal Federal) aconteça justamente na Semana da Consciência Negra. Não houve planejamento algum nisso: seu antecessor, Carlos Ayres Britto, faz aniversário no dia 18 de novembro. Completou 70 anos domingo, teria que se aposentar. Uma total coincidência, portanto, com o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado hoje. Joaquim toma posse na quinta-feira 22.

Nada deve empanar o brilho da posse de Joaquim Barbosa no STF. Trata-se não só do primeiro negro a ocupar a presidência da mais alta Corte do País, é o primeiro negro a ocupar um cargo na cima do Poder no Brasil. A presidência do Supremo é um dos três cargos mais importantes em um sistema tripartite: os outros dois são o presidente do Congresso (Legislativo) e o presidente da República (Executivo). Em caso de impedimento do presidente da República, o chefe do Judiciário é o quarto na linha sucessória. Nunca houve, portanto, um cidadão negro em posição tão importante no País. É preciso comemorar, não importam as divergências com o ministro.

Quando, em 2003, o presidente Lula indicou Barbosa para o STF, a iniciativa foi elogiadíssima. Mineiro de Paracatu, o futuro ministro, então procurador federal, havia tido uma trajetória fulgurante: foi gráfico no Senado, oficial de chancelaria no Itamaraty, assessor jurídico do Serpro e consultor jurídico do Ministério da Saúde. Barbosa se formou em Direito pela Universidade de Brasília e é mestre e doutor em Direito público pela Universidade de Paris-2. Considerado um dos principais defensores da adoção do sistema de cotas nas universidades, não se salvou de ouvir dos jornalistas, na época, a pergunta de que iria ser membro da “bancada governista” no Supremo.

A intenção de Lula, tanto no STF quanto na Procuradoria-Geral, foi fazer o contrário de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, e atender aos pedidos do Ministério Público para que este fosse independente. Não podemos esquecer que, com FHC no cargo, o procurador-geral era conhecido pelo epíteto de “engavetador-geral”. O Judiciário independente que o PT pregava antes de chegar ao poder e que se consolidou com a maioria das indicações feitas por Lula quando presidente, personifica-se na figura de Joaquim Barbosa. Exigir o contrário dele só porque Lula o indicou seria exigir-lhe servilismo. E servil é uma palavra que não orna com Barbosa.

Tenho certeza que sua presença como presidente do Supremo, saudada neste momento pelos poderosos de direita, não continuará a ser tão confortável daqui para a frente. Assim como incomodou agora os poderosos ditos de esquerda, mais adiante Joaquim irá cutucar outros. A mão pesada que o ministro demonstrou no episódio do chamado mensalão não será, tenho certeza, ocasião única e de um lado só. Muitos dos que agora aplaudem Joaquim Barbosa por haver punido membros do PT terão razões para lamentar sua presença na presidência do Supremo, estou segura.

A entrevista da jornalista Monica Bergamo com o ministro, publicada em outubro pela Folha de S.Paulo, foi elucidativa por vários motivos. O mais importante deles, para mim, foi esclarecer o espectro ideológico por onde se move Joaquim Barbosa. Ao contrário do que muitos, da esquerda e da direita, gostariam de acreditar, percebe-se que Joaquim não é um conservador. Pelo contrário. Se eu fosse arriscar o partido que goza da simpatia do ministro atualmente, diria que é o PSOL, saído da costela do PT justamente durante a crise do chamado “mensalão”.

Na entrevista, Barbosa declarou seu voto em Lula em 2002 e em 2006, e em Dilma, em 2010. E negou que, mesmo após o escândalo, tivesse se arrependido disso, diante dos “avanços inegáveis” dos últimos dez anos. A quem insinuava que estava seduzido pela mídia, o ministro também bateu nela, e duro. “A imprensa brasileira é toda ela branca, conservadora. O empresariado, idem. Todas as engrenagens de comando no Brasil estão nas mãos de pessoas brancas e conservadoras”, disse.

As frases de Barbosa foram, de certa forma, um tapa de luva nos auto-denominados “esquerdistas” que o atacam desde agosto por conta do julgamento do mensalão. É normal que sobretudo petistas achem que o relator exagerou na dose –para não falar na dosimetria. O que não é normal, é triste e vexaminoso é a apelação à cor da pele de Joaquim Barbosa por parte de gente, repito, que se pretende “de esquerda”. Não podendo diminuí-lo profissionalmente, já que o ministro possui um currículo brilhante, apelam para a questão racial. Nas redes sociais (sinto até vergonha alheia por ter de escrever isso), Barbosa chegou a ser chamado de “capitão-do-mato”, aquele negro que localizava os escravos fugitivos. Triste: estas pessoas são as mesmas que se indignaram quando o presidente Lula foi agredido no Twitter e Facebook por ser nordestino.

Não foram os únicos. Os que agora elogiam o ministro como “herói” já o chamaram de arrogante e insinuaram que era preguiçoso por não comparecer às sessões do Supremo por causa de dores nas costas. A revista que trouxe Joaquim Barbosa na capa agora, dois anos atrás o criticava por frequentar botecos de Brasília e até jogar futebol nos fins-de-semana enquanto estava de licença médica. Comparou-o, inclusive, com o falecido ministro Menezes Direito, que, “mesmo doente”, trabalhava. Menos mal que o ministro Barbosa deixou claro que não se deixa seduzir pela mídia branca e conservadora.

A mensagem racista subliminar tanto no uso do termo “arrogante” quanto nas insinuações de “preguiça” do ministro remontam à figura do “preto ousado” ou do “preto preguiçoso”, de utilização comum para atingir os negros desde os tempos do cativeiro. Somente no dia em que as críticas a um desafeto não fizerem referência alguma, direta ou velada, à cor de sua pele, o Brasil terá superado o racismo.

O novo presidente do Supremo é, quer queiram, quer não, a figura máxima deste Dia Nacional da Consciência Negra. Qualquer comemoração terá que passar por ele. Trata-se de um acontecimento histórico sem precedentes, é preciso deixar as diferenças de lado para celebrar. Joaquim Barbosa é, sim, um exemplo para qualquer menino e menina negros deste país. Espelhem-se nele, crianças. Vale a pena. Salve Joaquim, Axé Barbosa.

Outros artigos de Cynara podem ser lidos no site: http://www.socialistamorena.com.br

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O poder do cidadão

Herbert de Souza - Betinho

A fome é a realidade, o efeito é o sintoma da ausência de cidadania. 


Não é por acaso que a palavra cidadania está sendo cada vez mais falada e praticada na sociedade brasileira. Uma boa onda democrática que vem rolando mundo afora chegou ao Brasil há algum tempo e tem nos ajudado a descobrir como dar conta do que acontece na vida pública.

Cidadania é a consciência de direitos democráticos, é a prática de quem está ajudando a construir os valores e as práticas democráticas. No Brasil, cidadania é fundamentalmente a luta contra a exclusão social, contra a miséria, e mobilização concreta pela mudança do cotidiano e das estruturas que beneficiam uns e ignoram milhões de outros. E querer mudar a realidade a partir da ação com os outros, da elaboração de propostas, da crítica, da solidariedade e da indignação com o que ocorre entre nós.

Um cidadão não pode dormir com um sol deste: milhares de crianças trabalhando em condições de escravidão, trabalhadores sobrevivendo com suas famílias num quadro de miséria e de fome, a exploração da mulher, a descriminação do negro, uma elite rica esbanjando indiferença num mundo de festas e desperdícios escandalosos, de banqueiros metendo a mão no dinheiro do depositante, da polícia batendo em preto e pobre.

A fome é a realidade, o efeito e o sintoma da ausência de cidadania. O ponto de partida e de chegada das ações cidadãs. A negação radical da miséria é um postulado de mudança radical de todas as relações e processos que geram a miséria. É passar a limpo a história, a sociedade, o Estado e a economia. Não estamos falando de coisas abstratas, de boas intenções ou desejos humanitários de alguns.

Cidadania é, portanto, a condição da democracia. O poder democrático é aquele que tem gestão, controle, mas não tem domínio nem subordinação, não tem superioridade nem inferioridade. Uma sociedade democrática é uma relação entre cidadãos e cidadãs. É aquela que se constrói da sociedade para o Estado, de baixo para cima, que estimula e se fundamenta na autonomia, independência, diversidade de pontos de vista e sobretudo na ética - conjunto de valores ligados à defesa da vida e ao modo como as pessoas se relacionam, respeitando as diferenças, mas defendendo a igualdade de acesso aos bens coletivos.

O cidadão é o individuo que tem consciência de seus direitos e deveres e participa ativamente de todas as questões da sociedade. Um cidadão com sentido ético forte e consciência de cidadania não abre mão desse poder de participação.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Educação e redistribuição de renda diminuem desigualdades no Brasil




Por Felipe Prestes

O Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou na semana passada que o Brasil atingiu seu menor índice de desigualdade de renda de sua história (medido de 1960 em diante). O dado pode não ser conclusivo, uma vez que a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), base para este tipo de estudo, saiu em 2009 e, para atualizar os números sobre a desigualdade, a FGV utilizou a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de janeiro de 2012, que tem dados apenas das seis principais metrópoles do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador). Ainda assim, ninguém nega a tendência constante nos últimos onze anos de queda da desigualdade de renda no país.

De acordo com especialistas em políticas sociais consultados pelo Sul21, a educação e a redistribuição de renda são o motor de uma queda na desigualdade de renda que começa timidamente nos anos 1990 e tem forte aceleração na década seguinte. Entretanto, todos apontam que o caminho rumo a uma sociedade mais justa ainda é muito longo.

“A desigualdade no Brasil é muito alta ainda. A boa notícia é que vem caindo por onze anos consecutivos e pode continuar caindo”, afirmou o coordenador da pesquisa Marcelo Néri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, durante entrevista coletiva em que apresentou a pesquisa, intitulada De Volta ao País do Futuro: Projeções, Crise Europeia e Nova Classe Média. Néri ressaltou que o país ainda é um dos dez mais desiguais do mundo.

O economista também destacou que o Brasil vem conseguindo aprofundar a redução das desigualdades, mesmo diante da crise mundial. Entre janeiro de 2011 e o mesmo mês em 2012, a desigualdade de renda caiu 2,1%, de acordo com as pesquisas mensais de emprego, e a pobreza caiu 8%, índices melhores que os da década passada, marcada pela redução da pobreza e da desigualdade. “Com uma crise no meio, é um dado notável”, disse.


Evolução histórica da desigualdade


A desigualdade de renda é medida na pesquisa pelo índice de GINI, que vai de zero (quando a renda de todos os domicílios de um país é a mesma) a um (quando um só detém toda a renda). No gráfico apresentado pela FGV, temos o GINI do Brasil desde 1960 (0,5367), baseado no censo daquele ano. Nos anos 1960, a desigualdade se acentua. Em 1970, o GINI do país chega 0,5828.

A desigualdade se mantém praticamente estável por vinte anos – “como o eletrocardiograma de um morto”, anota o estudo da FGV — embora siga aumentando em ritmo pequeno. Em 1979, o GINI do país é 0,5902 e em 1990 atinge a marca de 0,6091 A curva começa a mudar a partir de 1993, mas lentamente e de forma inconstante. Tanto que a FGV considera que na década de 1990 permanece uma inércia na desigualdade.

De 1993 a 1995, o GINI cai de 0,6068 para 0,5994, mas sobe de novo em 1996 e só chega a uma marca mais baixa que a de 95 em 1999 (0,5937). Entretanto, até 2001 a desigualdade aumenta novamente, chegando a 0,5957. A partir dali é que começa, de fato, uma queda vertiginosa da disparidade entre os rendimentos das famílias brasileiras. Em 2009, ano da última PNAD, o GINI já havia caído para 0,5448. Entre 2001 e 2009, a desigualdade caiu em média 1,1% por ano. Mesmo assim, o país ainda não alcançara ainda o índice de 1960, superado apenas em janeiro de 2012 e não pela PNAD, mas pela PME, índice que mostra apenas as principais metrópoles. Neste mês, de acordo com a FGV, o GINI chegou a 0,5190.

“Os primeiros anos do início do novo milênio serão conhecidos nos futuros livros de História Brasileira como de redução da desigualdade, em contraste com os motivos de ocupação de ícones de riqueza americana e europeia, como Wall Street em Nova York e City em Londres”, conclui o estudo.


Constituição de 1988 e Bolsa-Família são marcos na redistribuição de renda


Para economistas, a Constituição de 1988 é um dos marcos para a redução das desigualdades. É ela que fixa as bases para uma redistribuição de renda mais robusta por parte do Governo Federal. Redistribuição que ganha uma dimensão ainda maior com o Bolsa-Família.

Uma das mudanças instituídas pela Constituição de 88 foi a criação de benefícios de proteção social para os mais pobres, como a prestação continuada (BPC-LOAS), um auxílio de um salário mínimo para famílias que incluem um idoso ou um deficiente e possuem renda per capita inferior a ¼ de salário mínimo. Outra mudança foi a aposentadoria rural.

“O estado de bem-estar social era concentrado na classe média e superior. Já havia aposentadoria pública, mas não atingia os pobres, que trabalhavam principalmente na agricultura e no trabalho informal nas cidades. Benefício era para quem tinha emprego formal. O pobre estava excluído desta redistribuição”, explica Francisco Ferreira, economista-chefe do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento do Banco Mundial.

Durante os anos 1990, são testados nos níveis municipal, estadual e federal diversos benefícios para incrementar a redistribuição de renda, como o Bolsa-Escola, que unia o auxílio em dinheiro com o estímulo à permanência das crianças no colégio. O Governo Lula marca a unificação, consolidação e enorme ampliação destes benefícios com o Bolsa-Família.

Jorge Abrahão: Benefícios como Bolsa-Família e
BPC-LOAS estão entre os principais fatores para
a queda da desigualdade de renda | Foto: Elza Fiúza/ABr
“O principal motivo para a redução das desigualdades são políticas públicas de transferência de renda, principalmente o Bolsa-Família e o BPC-LOAS. Os valores dos benefícios estão sendo ampliados, bem como o número de beneficiários. E são políticas públicas focados nos pobres e nos extremamente pobres”, explica o diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Jorge Abrahão. “O Bolsa-Família principalmente, e o BPC-LOAS, contribuíram um bocado para a redução da desigualdade na cauda inferior”, concorda Francisco Ferreira.

Ferreira e Abrahão também destacam o crescimento econômico de 2002 para cá, que permite com que todos ganhem no país. E também o aumento constante do salário mínimo aliado ao fato de que cada vez é maior o número de pessoas com trabalho formal, portanto, recebendo com base neste índice. “Mais e mais pessoas estão ganhando salário mínimo. A renda média está subindo, mas a dos mais pobres está subindo mais. Estamos verificando no Brasil que todos estão ganhando, mas os pobres estão ganhando um pouquinho mais. Com isto, a desigualdade diminui. Isto se deve ao mercado de trabalho, que está melhorando no Brasil, formalizando mais, ampliando a renda média”, afirma Jorge Abrahão.

Acesso à educação nivela os salários

Durante a entrevista coletiva, Marcelo Néri destacou a importância da educação para a redução da desigualdade de renda, e vaticinou: “O futuro é do mais educado”. Francisco Ferreira concorda com a tese e explica que o acesso à educação é fator importante para a atual redução das disparidades salariais e que também tem a Constituição de 1988 como marco.

“A redução de desigualdade vem da redemocratização. O Brasil passa a ter novo contrato social, com o qual não é mais aceitável a falta de investimento na educação e a exclusão da base da pirâmide da redistribuição de renda. Ainda que houvesse uma retórica acerca da importância da educação na ditadura militar, não se investia tanto em educação como passou a se investir depois da redemocratização”, afirma o economista do Banco Mundial. Nesta linha, o Brasil conseguiu unir transferência de renda com o estímulo à manutenção dos filhos na escola, com programas como o Bolsa-Escola e o Bolsa-Família.

Ferreira afirma que o acesso à educação torna menor o desnível entre os salários entre os trabalhadores mais qualificados e os menos qualificados. Mesmo que os salários em geral no país estejam aumentando, o aumento da oferta de pessoas com maior qualificação diminui os salários destas pessoas em relação ao das funções que exigem menor qualificação, estas com oferta de trabalhadores cada vez menor. “Com o aumento na oferta de mão-de-obra qualificada, com base na expansão de gente com educação secundária completa e depois terciária completa, começa a cair o retorno relativo à educação superior e secundária com relação à primária. Aumentou a oferta dos trabalhadores mais qualificados e reduziu-se a oferta dos trabalhadores menos qualificados”, explica.

Álvaro Dias: Estabilidade econômica promovida pelo
Plano Real foi a causa essencial da redução de 
desigualdade | Foto: Agência Senado
Líder de oposição ressalta estabilização da moeda

Um dos mais veementes oposicionistas do Congresso, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) não contesta os dados do estudo. Ao contrário, ressalta que o principal fator para a queda da desigualdade seria o Plano Real, estabelecido no Governo Itamar Franco, que ficou como uma das maiores bandeiras do PSDB e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Não vamos contestar os números, porque não avaliamos. Mas é possível que sejam verdadeiros, porque as mudanças ocorreram no país nestes anos. O Plano Real foi uma mudança de conceito econômico”, afirma.

Para Dias, o grande mérito do Governo Lula foi manter as conquistas do Plano Real, ao qual, ressalta, o PT se opunha anteriormente. “O mérito do Governo Lula foi manter uma proposta que combateu antes. Tentou impedir, inclusive, através de Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), que nunca foi julgada pelo STF, mas que poderia desmontar o Plano Real. Quando chegou ao poder o PT mudou de posição e manteve a política econômica que herdou”, afirma.

O senador acredita que a estabilização da moeda foi a principal causa da queda na desigualdade de renda. “A estabilidade econômica se sustentando por todos estes anos foi a causa essencial da redução das desigualdades. O que reduziu realmente a pobreza no Brasil foi o Plano Real. A estabilidade econômica possibilitou isto, porque a inflação é perversa com todos mas, sobretudo, com os mais pobres”, argumenta.

De fato, a estabilidade da moeda foi ressalta por Marcelo Néri durante a coletiva. Os economistas ouvidos pelo Sul21 também concordam que o Plano Real foi importante, embora não tenha sido o principal motor, uma vez que a desigualdade começar a cair de forma mais acentuada só em 2001.

Francisco Ferreira afirma que, de fato, a inflação é mais perversa com os mais pobres como disse Dias. Conter a inflação, por si só, não causa uma redução acelerada da desigualdade de renda, mas ajuda estancar o crescimento das disparidades, porque os ricos conseguem se proteger melhor que os pobres dos preços em alta. “A inflação contribuía bastante para o crescimento da desigualdade, durante o pré-Real. Famílias mais ricas podiam se proteger melhor da inflação, porque tinham acesso a instrumentos financeiros, como contas de indexação automática e oovernight”, afirma o economista. Ele ressalta que um estudo feito nos anos 1990 pelo próprio Marcelo Néri mostrava que até o acesso a um freezer contribuía para aumentar a desigualdade, uma vez que armazenar alimentos era essencial para não perder poder de compra.

Para Jorge Abrahão a estabilização é importante, mas nem de longe o principal fator para a redução na desigualdade de renda. “O Plano Real teve um papel importante de estabilização da moeda, mas o que define este momento que estamos vivendo é a economia brasileira vivendo outro patamar, com o agronegócio poderoso, a criação de uma estrutura industrial, um setor de serviços muito grande e uma estrutura social como nunca havia tido”, afirma.

Os desafios ainda são muito grandes


Ferreira: Para seguir reduzindo a desigualdade,
Brasil precisa melhorar a qualidade da educação
Foto: Simone D. Courtie/Banco Mundial

Ninguém nega que o Brasil ainda não atingiu um nível ideal de justiça social. E pior: que não chega nem perto disto. “Podemos comemorar que a desigualdade está caindo, mas não podemos comemorar nossa desigualdade. Nós somos campeões. Estamos longe até de países da América Latina”, afirma Jorge Abrahão.

“Falta muito. Não há a menor dúvida de que temos tido um progresso enorme nos últimos dez, doze anos e que estamos no caminho certo”, afirma Francisco Ferreira. O economista do Banco Mundial diz que é difícil precisar quanto falta, mas acredita que pode ser um bom parâmetro observar o GINI dos países mais desenvolvidos, membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que inclui principalmente nações do Hemisfério Norte, além de países como Austrália e Japão. Entre os países da organização, tirando Chile e México, que possuem maior desigualdade, os maiores índices de desigualdade são de Estados Unidos e Portugal e estão na faixa entre 0,4 e 0,45. “Os demais estão daí para baixo”, afirma.

Seguindo a meta de 0,45, o Brasil precisaria ainda reduzir a desigualdade quase o dobro do que conseguiu entre 2001 e 2009. O desafio é conseguir isto. Ferreira concorda com a sentença de Néri, de que educação é fundamental. “Tem que continuar havendo muito trabalho em educação. Não só na quantidade de vagas, que já estamos expandindo, mas na qualidade. O que as pessoas aprendem nas escolas ainda é muito ruim. Quanto mais a criança pobre aprender, melhor deve ser seu salário no futuro, portanto isto vai contribuir para a redução da desigualdade, assim como a expansão da educação fez”.

Para Jorge Abrahão, educação é fundamental, mas é preciso ter uma economia forte para absorver esta oferta de trabalhadores qualificados. “Ter mais educação influencia, mas tem países que tem muita educação e a renda é muito baixa. É preciso que as estruturas de demanda funcionem, que a indústria funcione. Não podemos ter desindustrialização. É preciso que a economia funcione para incorporar estes mais educados. Estruturação de áreas com tecnologia avançada, um planejamento estratégico”, diz o diretor de Estudos e Políticas Sociais do IPEA.

O senador Álvaro Dias afirma que o Governo Lula desperdiçou oportunidades de reduzir mais a desigualdade, fazendo reformas como a tributária, e que o Governo Dilma segue na mesma toada. “Os desdobramentos do Plano Real não se esgotaram, mas estamos perdendo oportunidades. O Governo Lula não fez reformas e o Governo Dilma também está demonstrando inapetência para elas. A reforma tributária é instrumento de distribuição de renda, através dela poderíamos reduzir diferenças”, defende.

Jorge Abrahão concorda que é preciso mudanças na estrutura tributária brasileira. “Lógico (que é necessária a reforma tributária), no sentido progressivo. Quem tem mais, paga mais. Viemos de um histórico patrimonialista. No Brasil você não taxa a riqueza. O cara aqui pode ter a riqueza que quiser que paga pouco imposto”, diz.

Para Francisco Ferreira, o Brasil também poderia incrementar ainda mais a redistribuição de renda se fosse menos benevolente com os não-pobres. O economista pontua que o país deveria reduzir sua carga tributária para obter crescimentos econômicos mais expressivos. E que seria impossível reduzir os impostos e aumentar a transferência de renda sem tirar dos ricos e da classe média. “Não dá para redistribuir mais, pois o grau de generosidade do Governo com as classes média e alta é muito grande. Gastamos muito com os não-pobres. Aí entram, principalmente, as altas aposentadorias no setor público e outras benesses do governo brasileiro que não vão necessariamente para os pobres. Não dá para fazer as duas coisas, até porque a máquina estatal precisa ficar mais eficiente para crescer”, opina.


PME x PNAD

Uso de dados da Pesquisa Mensal de Emprego é visto com
reserva por pesquisadores, mas há  consenso sobre queda
de desigualdades Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
O próprio estudo da FGV reconhece “limitações” no uso da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que avalia apenas metrópoles, para analisar a desigualdade de renda, em comparação com dados nacionais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Mas defende que a PME reflete a realidade da igualdade de renda no país, porque “todas as grandes inflexões da distribuição de renda dos últimos 20 anos foram antecipados por ela”.

Além disto, os pesquisadores do Centro de Políticas Sociais argumentam que não se pode ficar “ilhado” à espera de uma nova PNAD, principalmente porque a última pesquisa nacional foi feita sob reflexo imediato da crise de 2008, que ocorrera apenas três meses e meio antes.

Para Jorge Abrahão, do IPEA, o uso da PME pode representar um “salto” para baixo na desigualdade, por ter dados apenas das metrópoles. “É restrito às metrópoles, você faz um salto. Representa o Brasil urbano, mas não pega nem as cidades pequenas, nem outras metrópoles. A PNAD representa o Brasil inteiro”, diz.

Francisco Ferreira concorda com a FGV que a tendência a médio prazo entre a PME e a PNAD tem sido a mesma. Entretanto, sugere que dados da PME deveriam ser comparados entre si e não com os da PNAD. Mas reforça que Marcelo Néri é um pesquisador “cuidadoso”. Nenhum dos especialistas refuta que a desigualdade pode não ter chegado a seu menor nível histórico, mas que, de fato, o rumo é este.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

CARTA ABERTA AO BRASIL






JOSÉ GENUÍNO

Eles passarão, eu passarinho.
Mário Quintana


Dizem, no Brasil, que as decisões do Supremo Tribunal Federal não se discutem, apenas são cumpridas. Devem ser assumidas, portanto, como verdades irrefutáveis. Discordo. Reservo-me o direito de discutir, aberta e democraticamente com todos os cidadãos do meu país, a sentença que me foi imposta e que serei obrigado a cumprir.

Estou indignado. Uma injustiça monumental foi cometida!


A Corte errou. A Corte foi, sobretudo, injusta. Condenou um inocente. Condenou-me sem provas. Com efeito, baseada na teoria do domínio funcional do fato, que, nessas paragens de teorias mal-digeridas, se transformou na tirania da hipótese pré-estabelecida, construiu-se uma acusação escabrosa que pôde prescindir de evidências, testemunhas e provas.
Sem provas para me condenar, basearam-se na circunstância de eu ter sido presidente do PT. Isso é o suficiente? É o suficiente para fazerem tabula rasa de todo uma vida dedicada, com grande sacrifício pessoal, à causa da democracia e a um projeto político que vem libertando o Brasil da desigualdade e da injustiça.
Pouco importa se não houve compra de votos. A tirania da hipótese pré-estabelecida se encarrega de “provar” o que não houve. Pouco importa se eu não cuidava das questões financeiras do partido. A tirania da hipótese pré-estabelecida se encarrega de afirmar o contrário. Pouco importa se, após mais de 40 anos de política, o meu patrimônio pessoal continua o de um modesto cidadão de classe média. Esta tirania afirma, contra todas as evidências, que não posso ser probo.
Nesse julgamento, transformaram ficção em realidade. Quanto maior a posição do sujeito na estrutura do poder, maior sua culpa. Se o indivíduo tinha uma posição de destaque, ele tinha de ter conhecimento do suposto crime e condições de encobrir evidências e provas. Portanto, quanto menos provas e evidências contra ele, maior é a determinação de condená-lo. Trata-se de uma brutal inversão dos valores básicos da Justiça e de uma criminalização da política.
Esse julgamento ocorre em meio a uma diuturna e sistemática campanha de ódio contra o meu partido e contra um projeto político exitoso, que incomoda setores reacionários incrustados em parcelas dos meios de comunicação, do sistema de justiça e das forças políticas que nunca aceitaram a nossa vitória. Nessas condições, como ter um julgamento justo e isento? Como esperar um julgamento sereno, no momento em que juízes são pautados por comentaristas políticos?
Além de fazer coincidir matematicamente o julgamento com as eleições.
Mas não se enganem. Na realidade, a minha condenação é a tentativa de condenar todo um partido, todo um projeto político que vem mudando, para melhor, o Brasil. Sobretudo para os que mais precisam.
Mas eles fracassarão. O julgamento da população sempre nos favorecerá, pois ela sabe reconhecer quem trabalha por seus justos interesses. Ela também sabe reconhecer a hipocrisia dos moralistas de ocasião.
Retiro-me do governo com a consciência dos inocentes. Não me envergonho de nada. Continuarei a lutar com todas as minhas forças por um Brasil melhor, mais justo e soberano, como sempre fiz.
Essa é a história dos apaixonados pelo Brasil que decidiram, em plena ditadura, fundar um partido que se propôs a mudar o país, vencendo o medo. E conseguiram. E, para desgosto de alguns, conseguirão. Sempre.
São Paulo, 10 de outubro de 2012.
José Genoino Neto


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Quem tem medo do Zé Dirceu?

Izaías Almada, Caros Amigos
20 de fevereiro, 2004



Há mais ou menos quinze anos, estava eu numa festa de classe média emergente, na noite em que a televisão apresentava nos seus vários telejornais o ridículo espetáculo dos seqüestradores do empresário Abílio Diniz, vestidos com camisetas do PT, quando alguém ao meu lado comentou: “imagina se o Lula ganha as eleições! Vamos ter que dividir nossas casas e apartamentos com favelados e essa gente da periferia…”

Mas o Lula e o PT não venceram aquelas eleições de ’89. Com o apoio do jornalismo da Rede Globo de Roberto Marinho, o então “caçador de marajás”, soube manipular a opinião pública no debate final entre os candidatos e sacou do seu invejável currículo de honestidade e integridade o episódio de Miriam Cordeiro. Foi o que se viu. O país ingressou numa fase de “modernidade”, suas elites ansiosas por pertencerem ao primeiro mundo apostaram no menino bonito das Alagoas que, orgulhoso demais, acabou por não entender o recado. Uma denúncia, uma matéria numa revista semanal e a própria rede Globo aliada aos grandes jornais do país resolveu logo a questão. A elite já tinha um candidato mais confiável para a próxima eleição.

Tal candidato, formado nos laboratórios da universidade brasileira, conhecedor do terreno em que pisava e sabendo exatamente para o que seria eleito, comprou votos para aumentar o seu próprio mandato e sucatear o país para o grande capital internacional, isto é, tentou encurtar o acesso do Brasil ao primeiro mundo, com a farra das privatizações e institucionalizando a “modernidade” da terceirização. O país caminhava a passos largos para o futuro, embora muitos se envergonhassem de apresentar o passaporte brasileiro nas suas viagens de turismo ou negócios.

Entretanto, o PT venceu as últimas eleições e o mundo não desabou. A elite brasileira e seus porta-vozes na imprensa e na televisão perceberam que o monstro não era tão horrendo quanto o pintavam. O Brasil não deu o calote no FMI, os juros baixaram 10% em um ano, ninguém foi obrigado a dividir a casa ou o apartamento com “essa gente” da periferia e com os favelados, a inflação foi contida, mas (e há sempre um mas) pode ser que tudo isso seja apenas para disfarçar. Há mesmo quem diga que o plano do governo Lula é transformar o Brasil numa outra Cuba e que se está apenas dando tempo ao tempo. E que o mentor desse plano de cubanização do Brasil tem no ministro José Dirceu o seu principal defensor. Essa conversa se dá entre ruralistas, alguns empresários, banqueiros e “outros” literalmente menos votados…

“Stalinista”, “maquiavélico”, “obcecado pelo poder”, “primeiro ministro plenipotenciário”, e aos poucos a mídia comprometida com o poder econômico (ou que dele faz parte) junto com os bolsões mais retrógrados e conservadores (embora com o edulcorado discurso da modernização) investe contra José Dirceu. Mas no plano das idéias e das hipóteses o embate é sempre mais difícil, até porque o ministro tem sido competente na sua caminhada política.

Que venha então o argumento mais palatável para a mídia e a classe média moralista: a suspeita de corrupção. Prepara-se uma fita (que já traz até a novidade dos letreiros, caso não se entenda o som), onde supostamente alguém está subornando alguém.

Mas quem está subornando? E por quê? Por que existe uma câmera estrategicamente colocada quase sobre a mesa de “negociações? Quem a colocou ali? Onde foi feita a gravação? A pedido de quem e com quais interesses? O assessor Waldomiro ou o bicheiro Carlinhos Cachoeira? Quando foi feita a gravação? Há algo de representado no diálogo entrecortado e montado. Parece que os atores não representam bem os seus papéis, com o grandioso e surpreendente final do 1%. E a máxima da brasileirada esperta “eu não me sujo por tão pouco”, onde é que fica? Será que, num esforço para recuperar a dignidade dos corruptos, o Sr. Waldomiro resolveu baixar o percentual dos quase 30% da era Collor/PC Farias, para 1%, colaborando assim para a queda da inflação?

Atenção que o plano de desmoralização do governo Lula foi posto em marcha. A vítima escolhida, por enquanto, parece ser o ministro José Dirceu, a quem a direita ainda não engoliu e a esquerda purista ainda não entendeu. Aguardemos os próximos lances. A Venezuela já assiste a esse filme há quase três anos.

***

Izaías Almada, mineiro de Belo Horizonte, escritor, dramaturgo e roteirista, é autor de Teatro de Arena (Coleção Pauliceia da Boitempo) e dos romances A metade arrancada de mim, O medo por trás das janelas e Florão da América. Publicou ainda dois livros de contos, Memórias emotivas e O vidente da Rua 46. Como ator, trabalhou no Teatro de Arena entre 1965 e 1968. Colabora para oBlog da Boitempo quinzenalmente, às quintas-feiras. (http://boitempoeditorial.wordpress.com)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

MÍDIA GOLPISTA X GOVERNO


Por que tentam ferir letalmente o PT?


por LEONARDO BOFF


Há um provérbio popular alemão que reza: “você bate no saco mas pensa no animal que carrega o saco”. Ele se aplica ao PT com referência ao processo do “Mensalão”. Você bate nos acusados mas tem a intenção de bater no PT. A relevância espalhafatosa que o grosso da mídia está dando à questão, mostra que o grande interesse não se concentra na condenação dos acusados, mas através de sua condenação, atingir de morte o PT.

De saída quero dizer que nunca fui filiado ao PT. Interesso-me pela causa que ele representa pois a Igreja da Libertação colaborou na sua formulação e na sua realização nos meios populares. Reconheço com dor que quadros importantes da direção do partido se deixaram morder pela mosca azul do poder e cometeram irregularidades inaceitáveis. Muitos sentimo-nos decepcionados, pois depositávamos neles a esperança de que seria possível resistir às seduções inerentes ao poder. Tinham a chance de mostrar um exercício ético do poder na medida em que este poder reforçaria o poder do povo que assim se faria participativo e democrático. Lamentavelmente houve a queda. Mas ela nunca é fatal. Quem cai, sempre pode se levantar. Com a queda não caiu a causa que o PT representa: daqueles que vem da grande tribulação histórica sempre mantidos no abandono e na marginalidade. Por políticas sociais consistentes, milhões foram integrados e se fizeram sujeitos ativos. Eles estão inaugurando um novo tempo que obrigará todas as forças sociais a se reformularem e também a mudarem seus hábitos políticos.

Por que muitos resistem e tentam ferir letalmente o PT? Há muitas razões. Ressalto apenas duas decisivas.

A primeira tem a ver com uma questão de classe social. Sabidamente temos elites econômicas eintelectuais das mais atrasadas do mundo, como soia repetir Darcy Ribeiro. Estão mais interessadas em defender privilégios do que garantir direitos para todos. Elas nunca se reconciliaram com o povo. Como escreveu o historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma no Brasil 1965,14) elas “negaram seus direitos, arrasaram sua vida e logo que o viram crescer, lhe negaram, pouco a pouco, a sua aprovação, conspiraram para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continuam achando que lhepertence”. Ora, o PT e Lula vem desta periferia. Chegaram democraticamente ao centro do poder. Essas elites tolerariam Lula no Planalto, apenas como serviçal, mas jamais como Presidente. Não conseguem digerir este dado inapagável. Lula Presidente representa uma virada de magnitude histórica. Essas elites perderam. E nada aprenderam. Seu tempo passou. Continuam conspirando, especialmente, através de uma mídia e de seus analistas, amargurados por sucessivas derrotas como se nota nestes dias, a propósito de uma entrevista montada de Veja contra Lula. Estes grupos sepropõem apear o PT do poder e liquidar com seus líderes.

A segunda razão está em seu arraigado conservadorismo. Não quererem mudar, nem se ajustar ao novo tempo. Internalizaram a dialética do senhor e do servo. Saudosistas, preferem se alinhar de forma agregada e subalterna, como servos, ao senhor que hegemoniza a atual fase planetária: os USA e seus aliados, hoje todos em crise de degeneração. Difamaram a coragem de um Presidente que mostrou a autoestima e a autonomia do país, decisivo para o futuro ecológico e econômico do mundo, orgulhoso de seu ensaio civilizatório racialmente ecumênico e pacífico. Querem um Brasil menor do que eles para continuarem a ter vantagens.

Por fim, temos esperança. Segundo Ignace Sachs, o Brasil, na esteira das políticas republicanas inauguradas pelo do PT e que devem ser ainda aprofundadas, pode ser a Terra da Boa Esperança, quer dizer, uma pequena antecipação do que poderá ser a Terra revitalizada, baixada da cruz e ressuscitada. Muitos jovens empresários, com outra cabeça, não sedeixam mais iludir pela macroeconomia neoliberal globalizada. Procuram seguir o novo caminho aberto pelo PT e pelos aliados de causa. Querem produzir autonomamente para o mercado interno, abastecendo os milhões de brasileiros que buscam um consumo necessário, suficiente e responsável e assim poderem viver um desafogo com dignidade e decência. Essa utopia mínima é factível. O PT se esforça por realizá-la. Essa causa não pode ser perdida em razão da férrea resistência de opositores superados porque é sagrada demais pelo tanto de suor e de sangue que custou.


Leonardo Boff é teólogo, filósofo, escritor e doutor honoris causa em política pela Universidade de Turim por solicitação de Norberto Bobbio.

O que você não leu na mídia sobre Paulo Renato (1945-2011)

Por Idelber Avelar via Revista Fórum 28/06/11

Morreu de infarto, no último dia 25, aos 65 anos, Paulo Renato Souza, fundador do PSDB. Paulo Renato foi Ministro da Educação no governo FHC, Deputado Federal pelo PSDB paulista, Secretário da Educação de São Paulo no governo José Serra e lobista de grupos privados. Exerceu outras atividades menos noticiadas pela mídia brasileira.
Nas hagiografias de Paulo Renato publicadas nos últimos dois dias, faltaram alguns detalhes. A Folha de São Paulo escalou Eliane Cantanhêde para dizer que Paulo Renato deixou um “legado e tanto” como Ministro da Educação. Esqueceu-se de dizer que esse “legado” incluiu o maior êxodo de pesquisadores da história do Brasil, nem uma única universidade ou escola técnica federal criada, nem um único aumento salarial para professores, congelamento do valor e redução do número de bolsas de pesquisa, uma onda de massivas aposentadorias precoces (causadas por medidas que retiravam direitos adquiridos dos docentes), a proliferação do “professor substituto” com salário de R$400,00 e um sucateamento que impôs às universidades federais penúria que lhes impedia até mesmo de pagar contas de luz. No blog de Cynthia Semíramis, é possível ler depoimentos às dezenas sobre o que era a universidade brasileira nos anos 90.

Ainda na Folha de São Paulo, Gilberto Dimenstein lamentou que o tucanato não tenha seguido a sugestão de Paulo Renato Souza de “lançar uma campanha publicitária falando dos programas de complementação de renda”. Dimenstein pareceu desconsolado com o fato de que “o PSDB perdeu a chance de garantir uma marca social”, atribuindo essa ausência a uma mera falha na campanha publicitária. O leitor talvez possa compreender melhor o lamento de Dimenstein ao saber que a sua Associação Cidade Escola Aprendiz recebeu de São Paulo a bagatela de três milhões, setecentos e vinte e cinco mil, duzentos e vinte e dois reais e setenta e quatro centavos, só no período 2006-2008.
Não surpreende que a Folha seja tão generosa com Paulo Renato. Gentileza gera gentileza, como dizemos na internet. A diferença é que a gentileza de Paulo Renato com o Grupo Folha foi sempre feita com dinheiro público. Numa canetada sem licitação, no dia 08 de junho de 2010, a FDE da Secretaria de Educação de São Paulo transfere para os cofres da Empresa Folha da Manhã S.A. a bagatela de R$ 2.581.280,00, referentes a assinaturas da Folha para escolas paulistas. Quatro anos antes, em 2006, a empresa Folha da Manhã havia doado a curiosa quantia–nas imortais palavras do Senhor Cloaca–de R$ 42.354,30 à campanha eleitoral de Paulo Renato. Foi a única doação feita pelo grupo Folha naquela eleição. Gentileza gera gentileza.
Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor do Grupo Folha. Os grupos Abril, Estado e Globo também receberam seus quinhões, sempre com dinheiro público. Numa única canetada do dia 28 de maio de 2010, a empresa S/A Estado de São Paulo recebeu dos cofres públicos paulistas–sempre sem licitação, claro, porque “sigilo” no fiofó dos outros é refresco–a módica quantia de R$ 2.568.800,00, referente a assinaturas do Estadão para escolas paulistas. No dia 11 de junho de 2010, a Editora Globo S.A. recebe sua parte no bolo, R$ 1.202.968,00, destinadas a pagar assinaturas da Revista Época. No caso do grupo Abril, a matemática é mais complicada. São 5.200 assinaturas da Revista Veja no dia 29 de maio de 2010, totalizando a módica quantia de R$1.202.968,00, logo depois acrescida, no dia 02 de abril, da bagatela de R$ 3.177.400, 00, por Guias do Estudante – Atualidades, material de preparação para o Vestibular de qualidade, digamos, duvidosíssima. O caso de amor entre Paulo Renato e o Grupo de Civita é uma longa história. De 2004 a 2010, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação de São Paulo transfere dos cofres públicos para a mídia pelo menos duzentos e cinquenta milhões de reais, boa parte depois da entrada de Paulo Renato na Secretaria de Educação.
Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grandes grupos de mídia brasileiros. Ele também atuou diligentemente em favor de grupos estrangeiros, muito especialmente a Fundação Santillana, pertencente ao Grupo Prisa, dono do jornal espanhol El País. Trata-se de um jornal que, como sabemos, está disponível para leitura na internet. Isso não impediu que a Secretaria de Educação de São Paulo, sob Paulo Renato, no dia 28 de abril de 2010, transferisse mais dinheiro dos cofres públicos para o Grupo Prisa, referente a assinaturas do El País. O fato já seria curioso por si só, tratando-se de um jornal disponível gratuitamente na internet. Fica mais curioso ainda quando constatamos que o responsável pela compra, Paulo Renato, era Conselheiro Consultivo da própria Fundação Santillana! E as coincidências não param aí. Além de lobista da Santillana, Paulo Renato trabalhou, através de seu escritório PRS Consultores – cujo site misteriosamente desapareceu da internet depois de revelações dos blogs NaMaria News e Cloaca News–, prestando serviços ao … Grupo Santillana!, inclusive com curiosíssima vizinhança, no mesmo prédio. De fato, gentileza gera gentileza. E coincidência gera coincidência: ao mesmo tempo em que El País “denunciava”, junto com grupos de mídia brasileiros, supostos “erros” ou “doutrinações” nos livros didáticos da sua concorrente Geração Editorial, uma das poucas ainda em mãos do capital nacional, Paulo Renato repetia as “denúncias” no Congresso. O fato de a Santillana controlar a Editora Moderna e Paulo Renato ser consultor pago pelo Grupo Santillana deve ter sido, evidentemente, uma mera coincidência.
Mas que não se acuse Paulo Renato de parcialidade em favor dos grupos de mídia, brasileiros e estrangeiros. O ex-Ministro também teve destacada atuação na defesa dos interesses de cursinhos pré-vestibular, conglomerados editoriais e empresas de software. Como noticiado na época pelo Cloaca News, no mesmo dia em que a FDE e a Secretaria de Educação de São Paulo dispensaram de licitação uma compra de mais R$10 milhões da InfoEducacional, mais uma inexigibilidade licitatória era anunciada, para comprar … o mesmíssimo produto!, no caso o software “Tell me more pro”, do Colégio Bandeirantes, cujas doações em dinheiro irrigaram, em 2006, a campanha para Deputado Federal do candidato … Paulo Renato! Tudo isso para não falar, claro, do parque temático de $100 milhões de reais da Microsoft em São Paulo, feito sob os auspícios de Paulo Renato, ou a compra sem licitação, pelo Ministério da Educação de Paulo Renato, em 2001, de 233.000 cópias do sistema operacional Windows. Um dos advogados da Microsoft no Brasil era Marco Antonio Costa Souza, irmão de … Paulo Renato! A tramóia foi tão cabeluda que até a Abril noticiou.
Pelo menos uma vez, portanto, a Revista Fórum terá que concordar com Eliane Cantanhêde. Foi um “legado e tanto”. Que o digam os grupos Folha, Abril, Santillana, Globo, Estado e Microsoft.

domingo, 12 de agosto de 2012

Supremos fotogramas

por Wálter Maierovitch (Carta Capital)

Foto: José Cruz/ABr

 

Na Idade Média, e segundo a crença, o juízo era de Deus quando houvesse uma denúncia grave contra o réu. Os mortais juízes não julgavam, apenas constavam o decidido supremamente. Para se ter ideia, preparava-se o réu para o julgamento com pernas e braços imobilizados. Pedras pesadas eram amarradas a seu corpo. Depois, o acusado era lançado num rio de águas agitadas e profundas. Aí chegava o momento do julgamento feito por Deus. Se o réu flutuasse, estava absolvido.

A humanização do Direito Penal começa em 1764 com o chamado Pequeno Grande Livro escrito pelo marquês de Beccaria e intitulado Dos Delitos e das Penas. Com a humanização, o processo criminal evoluiu ao incorporar, como sucedeu no Brasil, garantias constitucionais pétreas.
No apelidado mensalão, o ônus da prova compete à Procuradoria-Geral da República, representada por Roberto Gurgel, chefe do Ministério Público Federal. Embora a qualquer acusado não seja preciso produzir prova da sua inocência, os 38 réus preparam a contraprova em juízo.
Nas sustentações orais, todos os defensores constituídos bateram na mesma tecla: a peça acusatória não se sustentava em prova colhida sob o crivo do contraditório e não passava de ficção a afirmada compra de votos de parlamentares. E de não constar a individualização das condutas. De grafar condutas atípicas e de conter pedido de condenação baseado em responsabilidade objetiva (sem culpabilidade). Falou-se também em surpreendente alteração fática por ocasião da sustentação de Gurgel e voltada a tentar dar nova sustentação à acusação: a compra de votos teria ocorrido na PEC paralela da Previdência e na Lei de Falência e não nas demais mencionadas na denúncia. Fora isso, alguns réus, como Delúbio Soares e Marcos Valério, admitiram o apelidado “caixa 2”, crime eleitoral cuja pretensão punitiva foi fulminada pela prescrição.
Gurgel procurou defender a denúncia elaborada pelo seu antecessor, Antonio Fernando de Souza. Quanto a José Dirceu, socorreu-se da denominada “teoria do domínio dos fatos”. Ela aceita provas orais diante da dificuldade de incriminar o chefão de uma potente organização criminosa. Gurgel, num golpe forte, pediu a condenação dos réus, exceções a Luiz Gushiken e Antônio Lamas, com imediata expedição de mandados de prisão.
Após seis dias de sustentações orais em mais de 30 horas, existe a certeza de a sociedade civil ter sido assaltada pela dúvida, ou melhor, ela ainda não sabe se a razão está com Gurgel ou com os defensores. Essa dúvida dos cidadãos é justificável em razão de um processo reservado a poucos e que apenas agora permite o conhecimento das teses técnicas das defesas.
No momento, um grande e profundo fosso separa a acusação e a defesa, que insiste na falta de prova acusatória válida para condenar, aquela colhida judicial e contraditoriamente. Diante disso, veio à luz a validade, para condenar, de prova produzida por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
A boa doutrina ensina que o inquérito parlamentar é inquisitório e não contraditório. Serve para fins internos e as suas peças, havendo indícios de crime, são encaminhadas ao Ministério Público que pode arquivar, promover novas diligências ou ofertar uma ação penal. Mas, para gerar condenação criminal, precisa a prova da CPI ser confirmada pela colhida sob o crivo do contraditório. Com efeito e no caso do mensalão, as provas colhidas na CPI dos Correios só valem se confirmadas por elementos de prova produzidas judicialmente.
Para o advogado de Dirceu, não existe nenhuma prova judicial a lhe inculpar. Os três relatos que o deputado federal Osmar Serraglio tanto fala de nada valem se não confirmados em juízo. Por outro lado, a falta de prova mínima sobre a autoria e o nexo causal impedem a aplicação da supracitada “teoria do domínio dos fatos”.
Erra quem pensa que tudo se encerra com o julgamento da ação penal 470. No caso de condenação de réus, poderá haver novo julgamento. Para que este ocorra, a condenação não poderá ser por unanimidade. O regimento interno do Supremo Tribunal Federal é bastante claro no caso de ação penal e condenação com 4 votos absolutórios. Portanto, bastam 4 votos divergentes para tudo recomeçar. A propósito: é muito claro o artigo 333 do regimento interno, que estabelece o recurso chamado embargos infringentes.
Como Gurgel abdicou de arguir a suspeição do ministro Dias Toffoli, poderá chorar o leite derramado se o placar terminar 7 votos condenatórios contra 4 absolutórios.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

O Estado Laico e a Democracia

Victor Mauricio Fiorito Pereira




A Constituição brasileira de 1824 estabelecia em seu artigo 5º:. “A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo”.

A atual Constituição não repete tal disposição, nem institui qualquer outra religião como sendo a oficial do Estado. Ademais estabeleceu em seu artigo 19, I o seguinte: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

Com base nesta disposição, o Estado brasileiro foi caracterizado como laico, palavra que, conforme o dicionário Aurélio, é sinônimo deleigo e antônimo de clérigo (sacerdote católico), pessoa que faz parte da própria estrutura da Igreja. Neste conceito, Estado leigo se difere de Estado religioso, no qual a religião faz parte da própria constituição do Estado. São exemplos de Estados religiosos o Vaticano, os Estados islâmicos e as vizinhas Argentina e Bolívia, em cujas constituições dispõem, respectivamente: “Art. 2. El Gobierno Federal sostiene el culto Católico Apostólico Romano” – “Art. 3. Religion Oficial – El Estado reconoce y sostiene la religion Católica Apostólica y Romana. Garantiza el ejercício público de todo otro culto. Las relaciones con la Iglesia Católica se regirán mediante concordados y acuerdos entre el Estado Boliviano y la Santa Sede.”

Atualmente, o termo Estado laico vem sendo utilizado no Brasil como fundamento para a insurgência contra a instituição de feriados nacionais para comemorações de datas religiosas, a instituição de monumentos com conotação religiosa em logradouros públicos e contra o uso de símbolos religiosos em repartições públicas. Até mesmo a expressão “sob a proteção de Deus”, constante no preâmbulo da Constituição da República vem sendo alvo de questionamentos.

É importante ressaltar que o conceito de Estado laico não deve se confundir com Estado ateu, tendo em vista que o ateísmo e seus assemelhados também se incluem no direito à liberdade religiosa. É o direito de não ter uma religião conforme disse Pontes de Miranda: “liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter uma crença” (Comentários à Constituição de 1967).

Assim sendo, confundir Estado laico com Estado ateu é privilegiar esta crença (ou não crença) em detrimento das demais, o que afronta a Carta Magna.

A Constituição da República apesar do disposto em seu artigo 19, inciso I protege a liberdade de crença, o livre exercício dos cultos religiosos e o faz da seguinte forma:
Art. 5. VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:VI - instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto;
Art. 210 § 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Art. 213 - Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas
Art. 226 § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

Além das formas de colaboração estatal especificadas no texto constitucional, o próprio artigo 19, inciso I estabelece, de forma genérica, que no caso de interesse público, havendo lei, os entes estatais podem colaborar com os cultos religiosos ou igrejas, bem como não pode embaraçar-lhes o funcionamento.

Por estas razões, muito mais adequado do que chamar a República Federativa do Brasil de Estado laico, seria chamá-la de Estado plurireligioso, que aceita todas as crenças religiosas, sem qualquer discriminação, inclusive a não crença.

No entanto, conforme já aduzido, questão interessante surge na concepção de Estado plurireligioso, a respeito da forma a ser utilizada pelo Estado, em certas ocasiões, de optar pelo culto de determinada crença religiosa, quando isso implica em afastar outra. Especificando, porque permitir que se construa uma estátua do Cristo, e não a do Buda? Por inaugurar um logradouro público com o nome de Praça da Bíblia e não Praça do Alcorão? E porque não deixar de construir um monumento com conotação religiosa, com o fim de não ofender a consciência dos não crentes e a dos crentes de outras seitas?

Somos de opinião que este impasse deve ser resolvido através da interpretação sistemática do texto constitucional.

Assim dispõe a Constituição da República em seu artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito(...)Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Afirma a doutrina que o princípio da maioria, juntamente com os princípios da igualdade e da liberdade, é princípio fundamental da democracia. Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número.

Destas considerações, se pode aduzir que, embora o Estado deva dispensar tratamento igualitário a todas as religiões, bem como deixar que funcionem livremente, com base no princípio da maioria pode optar, quando necessário for, por determinada crença, como por exemplo na ocasião de instituir um feriado, de construir um monumento em logradouro público, de utilizar a expressão “Deus seja louvado” que consta no papel moeda em curso, bem como elaborar sua legislação tomando como base as orientações doutrinárias de um determinado credo, nisto incluindo questões polêmicas como aborto, uso de células de embriões humanos e união homoafetiva.

É importante frisar que tal posicionamento não visa beneficiar a Igreja Católica, cuja predominância no Brasil se deve às razões culturais e históricas decorrentes do processo de colonização que deu origem ao povo brasileiro maciçamente composto por descendentes de europeus católicos, além do fato de já ter sido religião oficial do país por mais de trezentos anos. Em vista disto, é perfeitamente natural que, sendo a maioria da população brasileira católica, como afirmam, que o culto católico tenha maior atenção estatal que os demais. Vale ressaltar que o que determina a preferência estatal por determinado credo é a vontade majoritária popular, que não obstante às razões históricas, pode se modificar, mormente como se vê nos tempos atuais em que as seitas evangélicas vêm ganhando força política, importando até mesmo na eleição de representantes. Ressalte-se ainda que a preferência da ação estatal por determinada religião não se situa apenas em âmbito nacional, mas também regional, sendo um exemplo a Constituição do Estado da Bahia, na qual o artigo 275 e incisos privilegiam a religião afro-brasileira, presumindo ser esta a preferência do povo baiano.

Embora o Estado deva respeitar e proteger os não crentes e os crentes de outros cultos, não nos parece adequado que o Estado deva suprimir de seu ofício qualquer alusão a determinado culto religioso, ou deixe de colaborar com este por causa de uma minoria insatisfeita, que tem toda a liberdade, constitucionalmente assegurada, de pregar a sua crença ou não crença, com o fim de conquistar novos adeptos, bem como eleger seus representantes para que defendam seus interesses perante o Estado.

Por fim, vale também colocar que, de acordo com o artigo 19, inciso I da Constituição, é vedado ao Estado embaraçar o funcionamento dos cultos religiosos. Tal informação tem grande relevância, principalmente em face de situações concretas em que se postula ao Poder Judiciário pretensões no sentido fazer com que determinada religião haja em desconformidade com a sua doutrina, na maioria das vezes para satisfazer um capricho. Exemplo mais comum é pretender que a Igreja Católica realize casamento de pessoas divorciadas, o que vai de encontro com a sua doutrina que não reconhece o divórcio e veda a duplicidade de casamentos. Da mesma forma seria incabível a imputação do delito previsto no artigo 235 do Código Penal, no caso de religiões que permitam a prática da poligamia, desde que a multiplicidade de casamentos se restrinja ao âmbito da religião, sendo que estes casamentos não deverão produzir efeitos para o direito civil pátrio, por afrontar os princípios constitucionais que tratam da família. Nos demais casos, a intervenção estatal nos cultos religiosos deve se reger, como já foi aduzido, através de uma interpretação sistemática e harmônica do texto constitucional.


Conclusões

1 – O Estado brasileiro, de acordo com a sua Constituição, deve dispensar tratamento igualitário a todas as crenças religiosas, incluindo a não crença, sem adotar nenhuma delas como sua religião oficial;

2 – A inexistência de religião oficial no Estado não significa que o Estado seja partidário da não crença (ateísmo e assemelhados), pois, com base no princípio da liberdade religiosa, esta deve ser posta ao lado das demais religiões, não podendo junto com qualquer uma delas ser também considerada oficial;

3 – Em caso de situações em que o Estado tenha que optar por favorecer uma determinada crença religiosa ou a não crença, o critério de escolha deve ser o princípio democrático da preferência da maioria, exprimida diretamente pelo povo ou através de seus representantes, ao contrário do que ocorre nos Estados que adotam religião oficial, que prevalecerá ainda que a maioria da população prefira outra;

4 – Não há qualquer inconstitucionalidade no fato do Estado, instituir um feriado, construir um monumento em logradouro público, fazer referências a Deus, bem como elaborar sua legislação tomando como base as orientações doutrinárias de um determinado credo, tendo em vista que se presume nesta atitude a expressão da livre vontade popular, que pode se modificar em favor de outra crença religiosa, sem que isto implique em modificação constitucional.

5 – Com base no artigo 19, inciso I da Constituição da República, o Estado não pode intervir nas religiões de forma a compelir que ajam em desconformidade com a sua doutrina, sendo que, qualquer cerceamento à liberdade de culto, deve ser feita com base na interpretação sistemática da Constituição da República, de forma a harmonizar as suas disposições.


Victor Mauricio Fiorito Pereira
Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro