quinta-feira, 29 de novembro de 2012

IBGE: Triplicou o Acesso de Jovens Pretos e Pardos às Universidades em 10 anos



A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2012 mostra melhoria na educação, na década 2001-2011, especialmente na educação infantil (0 a 5 anos), onde o percentual de crianças cresceu de 25,8% para 40,7%. Dentre as mulheres com filhos de 0 a 3 anos de idade na creche, 71,7% estavam ocupadas. Entre os adolescentes de 15 a 17 anos, 83,7% frequentavam a rede de ensino, em 2011, mas apenas 51,6% estavam na série adequada para a idade. Já a proporção de jovens estudantes (18 a 24 anos) que cursavam o nível superior cresceu de 27,0% para 51,3%, entre 2001-2011, sendo que, entre os estudantes pretos ou pardos nessa faixa etária, a proporção cresceu de 10,2% para 35,8%.

A SIS revela que as desigualdades reduziram-se, na década 2001-2011, em razão da valorização do salário mínimo, do crescimento econômico e dos programas de transferência de renda (como Bolsa Família). O índice de Gini (mede a distribuição de renda) passou de 0,559, em 2004, para 0,508, em 2011.


terça-feira, 27 de novembro de 2012

BCG Mostra o quê que o Lulopetismo está fazendo com o Brasil

Entre 150 países: Brasil usa crescimento e inclui mais em 5 anos


O Brasil foi o país que melhor utilizou o crescimento econômico alcançado nos últimos cinco anos para elevar o padrão de vida e o bem-estar da população. Se o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu a um ritmo médio anual de 5,1% entre 2006 e 2011, os ganhos sociais obtidos no período são equivalentes aos de um país que tivesse registrado expansão anual de 13% da economia.


A conclusão é de levantamento feito pela empresa internacional de consultoria Boston Consulting Group (BCG), que comparou indicadores econômicos e sociais de 150 países e criou o Índice de Desenvolvimento Econômico Sustentável (Seda, na sigla em inglês), com base em 51 indicadores coletados em diversas fontes, como Banco Mundial, FMI, ONU e OCDE.

O desempenho brasileiro nos últimos anos em relação à melhoria da qualidade de vida da população é devido principalmente à distribuição de renda. "O Brasil diminuiu consideravelmente as diferenças de rendimento entre ricos e pobres na década passada, o que permitiu reduzir a pobreza extrema pela metade. Ao mesmo tempo, o número de crianças na escola subiu de 90% para 97% desde os anos 90", diz o texto do relatório "Da riqueza para o bem-estar", que será oficialmente divulgado hoje. O estudo também faz referencia ao programa Bolsa Família, destacando que a ajuda do governo as famílias pobres está ligada à permanência da criança na escola.



Nessa comparação de progressos recentes alcançados, o Brasil lidera o índice com 100 pontos, pontuação atribuída ao país que melhor se saiu nesse critério de avaliação. Aparecem a seguir Angola (98), Albânia (97,9), Camboja (97,5) e Uruguai (96,9). A Argentina ficou na 26ª colocação, com 80, 4 pontos. Chile (48º) e México (127º) ficaram ainda mais atrás.

Foram usados dados disponíveis para todos os 150 países e que fossem capazes de traçar um panorama abrangente de dez diferentes áreas: renda, estabilidade econômica, emprego, distribuição de renda, sociedade civil, governança (estabilidade política, liberdade de expressão, direito de propriedade, baixo nível de corrupção, entre outros itens), educação, saúde, ambiente e infraestrutura.

O ranking-base gerou a elaboração de mais três indicadores, para permitir a comparação do desempenho, efetivo ou potencial, dos países em momentos diferentes: 1) atual nível socioeconômico do país; 2) progressos feitos nos últimos cinco anos; e 3) sustentabilidade no longo prazo das melhorias atingidas.

Como seria de se esperar, os países mais ricos estão entre os que pontuam mais alto no ranking que mostra o estágio atual de desenvolvimento. Nessa base de comparação, que dá conta do "estoque de bem-estar" existente, a lista é liderada por Suíça e Noruega, com 100 pontos, e inclui Austrália, Nova Zelândia, Canadá, EUA e Cingapura. Aí o Brasil aparece em posição intermediária, com 47,8 pontos.

Para Christian Orglmeister, diretor do escritório do BCG em São Paulo, o desempenho alcançado pelo Brasil é elogiável, mas deve ser visto com cautela. "Quando se parte de uma base mais baixa, é mais fácil registrar progresso. O Brasil está muito melhor do que há cinco anos em várias áreas, até mesmo em infraestrutura, mas é preciso ainda avançar muito mais."

Entre os países que ocupam os primeiros lugares nesse ranking de melhoria relativa dos padrões de vida da população nos últimos cinco anos, a renda per capita anual é muito diversificada, indo desde menos de US$ 1 mil em alguns países da África até os US$ 80 mil verificados na Suíça. Além do Brasil, mais dois países sul-americanos _ Peru e Uruguai _ aparecem na lista dos 20 primeiros. Também estão nela três países africanos que em décadas passadas estiveram envolvidos em guerras civis _ Angola, Etiópia e Ruanda _ e que nos anos recentes mostram fortes ganhos em relação a padrão de vida. Da Ásia, aparecem na relação Camboja, Indonésia e Vietnã.

Nova Zelândia e Polônia também integram esse grupo. O crescimento médio do PIB neozelandês foi de 1,5%, mas a melhora do bem-estar foi semelhante à de uma economia que estivesse crescendo 6% ao ano. Na Polônia e na Indonésia, que atingiram crescimento médio do PIB de 6,5% ano, o padrão de vida teve elevação digna de uma economia em expansão de 11%.

O estudo também compara o desempenho recente dos Brics - além do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - na geração de mais bem-estar para os cidadãos. Se em relação à expansão da economia, o Brasil ficou atrás dos seus parceiros entre 2006 e 2011, o país superou a média obtida pelo bloco em áreas como ambiente, governança, renda, distribuição de renda, emprego e infraestrutura, diz Orglmeister. China, Rússia, Índia e África do Sul aparecem apenas em 55º, 77º, 78º e 130º, respectivamente, nessa base de comparação, que é liderada pelo Brasil.

O desafio brasileiro, agora, é manter esse ritmo no futuro, afirma o diretor do BCG. "O Brasil precisa avançar em quatro áreas principalmente", diz. "Na melhora da qualidade da educação, na infraestrutura, na flexibilização do mercado de trabalho e nas dificuldades burocráticas que ainda existem para fazer negócios no país."

Para Douglas Beal, um dos autores do trabalho e diretor do escritório do BCG em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, embora os indicadores reunidos para produzir o Seda pudessem ser utilizados para produzir um novo índice, esse não é o objetivo do levantamento. "A meta é criar uma ferramenta de benchmarking, que possa fornecer um quadro amplo. com base no qual os governos possam agir."


Fonte: Valor Econômico / BCG - Boston Consulting Group

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Estados Unidos é país com mais pobres do 'clube dos ricos'

por Pablo Uchoa (Da BBC Brasil em Washington)


James Haskins trabalha como voluntário em almoço de Ação de Graças
 para a população carente.

Em um salão bem-iluminado e de tijolos aparentes, com fotos ilustrando as paredes e um quadro a óleo de Martin Luther King sobre um piano recostado a um canto, um voluntário dispõe pratos de sobremesa com fatias de tortas de abóbora e batata-doce sobre mesas comunitárias.

Guardanapos coloridos e arranjos de cartolina imitando abóboras marcam os assentos para a última leva de comensais que vieram para o almoço especial de Dia de Ação de Graças oferecido gratuitamente pela organização SOME (So Others Might Eat – "Para que outras possam se alimentar", em tradução livre), em Washington.

Em geral ausente do debate público – até, surpreendentemente, em ano de campanha eleitoral –, a situação dos mais necessitados reaparece, sazonalmente, no feriado que comemora a primeira refeição comum dos peregrinos e povos nativos que fizeram a história deste país.

Mas para organizações como esta, a preocupação nunca sai do radar. Este refeitório que servia, antes da crise econômica, em torno de 200 mil refeições por ano – café da manhã e almoço –, hoje serve quase 250 mil. A demanda subiu proporcionalmente à crise do emprego, que empurrou milhões de americanos para a pobreza.

Segundo os números do censo, os Estados Unidos tinham 46,2 milhões de pobres em 2011, o equivalente a 15% da sua população. Em 2009, o nível era de 13,2%.

De acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país mais rico do mundo é também, dentro do clube dos ricos, o que conta com a maior proporção de pobres.
Pobre país rico

Há várias faixas de renda para a definição de quem é ou não pobre nos EUA. Para um indivíduo e um casal com dois filhos, por exemplo, o nível de pobreza é definido por ganhos anuais de até US$ 11.702 e US$ 22.811, respectivamente.

O presidente Obama trabalhou em um refeitório da SOME em 2010.

Rendas inferiores a 50% destas faixas configuram pobreza aguda ("deep poverty"), dentro da qual estão 6,6% da população – o equivalente a 20,4 milhões de pessoas – contra 6,3% em 2009.

Um estudo recente da organização National Poverty Center identificou inclusive um contingente de 1,46 milhão de famílias – com 2,8 milhões de crianças – vivendo em pobreza extrema segundo as definições do Banco Mundial, ou seja, com menos de US$ 2 por pessoa por dia em um determinado mês.

Especialistas ressalvam que parte desses efeitos negativos é compensada por assistência que não entra nas estatíticas de renda, tais como a distribuição de vale refeições, moradia e deduções fiscais.

Austin Nichols, do instituto de pesquisa Urban Institute, em Washington, estima que se os vale-refeições e isenções fiscais fossem contabilizados, os EUA teriam 9,6 milhões de pobres a menos.

"De certa forma, isso faz com que os pobres nos EUA estejam em uma situação melhor que em outros países", disse Nichols à BBC Brasil, falando por telefone de Roma, onde participava de uma conferência da ONU sobre a fome.

"A razão para isso é que nosso sistema de benefícios se afastou das transferências de renda, nas quais os países europeus se apoiam mais que os EUA."

Mas infelizmente, escreve Nichols em sua análise, muitas medidas deste tipo, erguidas para conter os efeitos da crise econômica no seu início, estão expirando.

E ao longo deste ano, enquanto muito se falou dos incentivos para a classe média e o corte ou não de impostos para os mais ricos, poucas vezes foi mencionada a carência das pessoas que mais dependem delas.

Dificuldades

Funcionário prepara mesas de refeitório da organização 
beneficente americana Some

Algumas horas visitando entidades como a SOME indicam o tamanho do desafio. Além do refeitório, a organização oferece uma miríade de serviços para os mais pobres, incluindo duchas gratuitas, doações de roupas, sapatos e comidas, serviços de saúde primária, dental e mental, e assistência com a busca de moradias e serviços sociais.

James Haskins, que faz parte de uma igreja Batista em Maryland e esteve entre os voluntários no Dia de Ação de Graças, diz que as necessidades dos mais pobres não são apenas materiais.

"Não é apenas uma questão de falta de comida, ou de moradia, ou de ter o que comer", disse Haskins, ao lado de uma foto que mostra o presidente Barack Obama servindo almoço naquele mesmo refeitório, em 2010.

"Para eles, é uma questão de tentar fazer parte de alguma coisa, saber que podem contar com alguém".

A porta-voz da entidade, Nechama Masliansky, disse à BBC Brasil que a organização atende anualmente a 10 mil indivíduos diferentes, que utilizam seus serviços em muitos casos inúmeras vezes na semana.

A pobreza persistente ainda é um problema relativamente pequeno nos EUA, e muitos acabam se encontrando nesta situação após perder o emprego ou a capacidade de trabalhar. A falta de moradias acessíveis em cidades como a capital federal empurram famílias inteiras para as ruas.

Aos 48 anos, o ex-pedreiro Edward Fischer, hoje com 60, teve um ombro deslocado em um acidente. Passou quatro anos vivendo na casa da mãe e não conseguia retornar ao trabalho – até processar o antigo empregador e conseguir verba suficiente para pagar as contas e conseguir viver no seu próprio lar.

"Já cheguei a vir neste refeitório várias vezes por semana", disse Fischer, em meio a garfadas. "Hoje, ainda venho de vez em quando."

Longo prazo

Pintura de Martin Luther King decora refeitório,
 em Washington.

Nichols escreve que em 2009 e 2010, apenas 4,8% dos pobres permaneceram nesta situação por todos os 24 meses. Mas uma das características da mais recente crise econômica são os longos períodos em que os trabalhadores passam desempregados.

Em agosto último, 40% dos desempregados passavam mais de seis meses sem trabalho – o tempo do recebimento do seguro-desemprego regular. Nunca, desde os anos 1960, o percentual superou muito mais que 25%.

Para os especialistas, uma das consequências mais perversas desta pobreza persistente é o efeito que terá sobre as gerações futuras.

"Crianças criadas sob o espectro da pobreza são mais suscetíveis a continuar pobres, abandonar a escola, ter gravidez indesejada na adolescência e viver instabilidades no mercado de trabalho", diz outro estudo do Urban Institute.

Nos EUA, a pobreza atinge 22% das crianças – sendo que entre as crianças negras o percentual chegava a 37,4% em 2011. De certa forma, é um reflexo da pobreza entre mães solteiras chefes de família, que superava 31%.

Nichols vê nesses dados um risco à possibilidade de mobilidade social que deu início ao sonho americano.

Ele diz que, enquanto a classe média ou mesmo uma parte dos pobres ainda pode almejar a subir na pirâmide da sociedade, os 10% no chão da linha da pobreza já nascem, virtualmente, com o futuro selado de continuar sendo pobre.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Salve Joaquim, Axé Barbosa

por Cynara Menezes


(foto: STF)

Acredito menos em destino do que em sincronicidade, esta coreografia de acasos que permite a alguns acontecimentos se tornarem emblemáticos. E é, sem sombra de dúvida, emblemático que a posse do primeiro presidente negro da história do STF (Supremo Tribunal Federal) aconteça justamente na Semana da Consciência Negra. Não houve planejamento algum nisso: seu antecessor, Carlos Ayres Britto, faz aniversário no dia 18 de novembro. Completou 70 anos domingo, teria que se aposentar. Uma total coincidência, portanto, com o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado hoje. Joaquim toma posse na quinta-feira 22.

Nada deve empanar o brilho da posse de Joaquim Barbosa no STF. Trata-se não só do primeiro negro a ocupar a presidência da mais alta Corte do País, é o primeiro negro a ocupar um cargo na cima do Poder no Brasil. A presidência do Supremo é um dos três cargos mais importantes em um sistema tripartite: os outros dois são o presidente do Congresso (Legislativo) e o presidente da República (Executivo). Em caso de impedimento do presidente da República, o chefe do Judiciário é o quarto na linha sucessória. Nunca houve, portanto, um cidadão negro em posição tão importante no País. É preciso comemorar, não importam as divergências com o ministro.

Quando, em 2003, o presidente Lula indicou Barbosa para o STF, a iniciativa foi elogiadíssima. Mineiro de Paracatu, o futuro ministro, então procurador federal, havia tido uma trajetória fulgurante: foi gráfico no Senado, oficial de chancelaria no Itamaraty, assessor jurídico do Serpro e consultor jurídico do Ministério da Saúde. Barbosa se formou em Direito pela Universidade de Brasília e é mestre e doutor em Direito público pela Universidade de Paris-2. Considerado um dos principais defensores da adoção do sistema de cotas nas universidades, não se salvou de ouvir dos jornalistas, na época, a pergunta de que iria ser membro da “bancada governista” no Supremo.

A intenção de Lula, tanto no STF quanto na Procuradoria-Geral, foi fazer o contrário de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, e atender aos pedidos do Ministério Público para que este fosse independente. Não podemos esquecer que, com FHC no cargo, o procurador-geral era conhecido pelo epíteto de “engavetador-geral”. O Judiciário independente que o PT pregava antes de chegar ao poder e que se consolidou com a maioria das indicações feitas por Lula quando presidente, personifica-se na figura de Joaquim Barbosa. Exigir o contrário dele só porque Lula o indicou seria exigir-lhe servilismo. E servil é uma palavra que não orna com Barbosa.

Tenho certeza que sua presença como presidente do Supremo, saudada neste momento pelos poderosos de direita, não continuará a ser tão confortável daqui para a frente. Assim como incomodou agora os poderosos ditos de esquerda, mais adiante Joaquim irá cutucar outros. A mão pesada que o ministro demonstrou no episódio do chamado mensalão não será, tenho certeza, ocasião única e de um lado só. Muitos dos que agora aplaudem Joaquim Barbosa por haver punido membros do PT terão razões para lamentar sua presença na presidência do Supremo, estou segura.

A entrevista da jornalista Monica Bergamo com o ministro, publicada em outubro pela Folha de S.Paulo, foi elucidativa por vários motivos. O mais importante deles, para mim, foi esclarecer o espectro ideológico por onde se move Joaquim Barbosa. Ao contrário do que muitos, da esquerda e da direita, gostariam de acreditar, percebe-se que Joaquim não é um conservador. Pelo contrário. Se eu fosse arriscar o partido que goza da simpatia do ministro atualmente, diria que é o PSOL, saído da costela do PT justamente durante a crise do chamado “mensalão”.

Na entrevista, Barbosa declarou seu voto em Lula em 2002 e em 2006, e em Dilma, em 2010. E negou que, mesmo após o escândalo, tivesse se arrependido disso, diante dos “avanços inegáveis” dos últimos dez anos. A quem insinuava que estava seduzido pela mídia, o ministro também bateu nela, e duro. “A imprensa brasileira é toda ela branca, conservadora. O empresariado, idem. Todas as engrenagens de comando no Brasil estão nas mãos de pessoas brancas e conservadoras”, disse.

As frases de Barbosa foram, de certa forma, um tapa de luva nos auto-denominados “esquerdistas” que o atacam desde agosto por conta do julgamento do mensalão. É normal que sobretudo petistas achem que o relator exagerou na dose –para não falar na dosimetria. O que não é normal, é triste e vexaminoso é a apelação à cor da pele de Joaquim Barbosa por parte de gente, repito, que se pretende “de esquerda”. Não podendo diminuí-lo profissionalmente, já que o ministro possui um currículo brilhante, apelam para a questão racial. Nas redes sociais (sinto até vergonha alheia por ter de escrever isso), Barbosa chegou a ser chamado de “capitão-do-mato”, aquele negro que localizava os escravos fugitivos. Triste: estas pessoas são as mesmas que se indignaram quando o presidente Lula foi agredido no Twitter e Facebook por ser nordestino.

Não foram os únicos. Os que agora elogiam o ministro como “herói” já o chamaram de arrogante e insinuaram que era preguiçoso por não comparecer às sessões do Supremo por causa de dores nas costas. A revista que trouxe Joaquim Barbosa na capa agora, dois anos atrás o criticava por frequentar botecos de Brasília e até jogar futebol nos fins-de-semana enquanto estava de licença médica. Comparou-o, inclusive, com o falecido ministro Menezes Direito, que, “mesmo doente”, trabalhava. Menos mal que o ministro Barbosa deixou claro que não se deixa seduzir pela mídia branca e conservadora.

A mensagem racista subliminar tanto no uso do termo “arrogante” quanto nas insinuações de “preguiça” do ministro remontam à figura do “preto ousado” ou do “preto preguiçoso”, de utilização comum para atingir os negros desde os tempos do cativeiro. Somente no dia em que as críticas a um desafeto não fizerem referência alguma, direta ou velada, à cor de sua pele, o Brasil terá superado o racismo.

O novo presidente do Supremo é, quer queiram, quer não, a figura máxima deste Dia Nacional da Consciência Negra. Qualquer comemoração terá que passar por ele. Trata-se de um acontecimento histórico sem precedentes, é preciso deixar as diferenças de lado para celebrar. Joaquim Barbosa é, sim, um exemplo para qualquer menino e menina negros deste país. Espelhem-se nele, crianças. Vale a pena. Salve Joaquim, Axé Barbosa.

Outros artigos de Cynara podem ser lidos no site: http://www.socialistamorena.com.br

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O poder do cidadão

Herbert de Souza - Betinho

A fome é a realidade, o efeito é o sintoma da ausência de cidadania. 


Não é por acaso que a palavra cidadania está sendo cada vez mais falada e praticada na sociedade brasileira. Uma boa onda democrática que vem rolando mundo afora chegou ao Brasil há algum tempo e tem nos ajudado a descobrir como dar conta do que acontece na vida pública.

Cidadania é a consciência de direitos democráticos, é a prática de quem está ajudando a construir os valores e as práticas democráticas. No Brasil, cidadania é fundamentalmente a luta contra a exclusão social, contra a miséria, e mobilização concreta pela mudança do cotidiano e das estruturas que beneficiam uns e ignoram milhões de outros. E querer mudar a realidade a partir da ação com os outros, da elaboração de propostas, da crítica, da solidariedade e da indignação com o que ocorre entre nós.

Um cidadão não pode dormir com um sol deste: milhares de crianças trabalhando em condições de escravidão, trabalhadores sobrevivendo com suas famílias num quadro de miséria e de fome, a exploração da mulher, a descriminação do negro, uma elite rica esbanjando indiferença num mundo de festas e desperdícios escandalosos, de banqueiros metendo a mão no dinheiro do depositante, da polícia batendo em preto e pobre.

A fome é a realidade, o efeito e o sintoma da ausência de cidadania. O ponto de partida e de chegada das ações cidadãs. A negação radical da miséria é um postulado de mudança radical de todas as relações e processos que geram a miséria. É passar a limpo a história, a sociedade, o Estado e a economia. Não estamos falando de coisas abstratas, de boas intenções ou desejos humanitários de alguns.

Cidadania é, portanto, a condição da democracia. O poder democrático é aquele que tem gestão, controle, mas não tem domínio nem subordinação, não tem superioridade nem inferioridade. Uma sociedade democrática é uma relação entre cidadãos e cidadãs. É aquela que se constrói da sociedade para o Estado, de baixo para cima, que estimula e se fundamenta na autonomia, independência, diversidade de pontos de vista e sobretudo na ética - conjunto de valores ligados à defesa da vida e ao modo como as pessoas se relacionam, respeitando as diferenças, mas defendendo a igualdade de acesso aos bens coletivos.

O cidadão é o individuo que tem consciência de seus direitos e deveres e participa ativamente de todas as questões da sociedade. Um cidadão com sentido ético forte e consciência de cidadania não abre mão desse poder de participação.