quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

BRASIL, CELEIRO DO MUNDO

Especial para Infolatam por Luis Esteban González Manrique (23-01-2013)



Depois de um ano decepcionante para a economia brasileira –em 2012 o PIB mal cresceu alguns décimos acima do 1%, enquanto a inflação foi de 5,84%–, também não parece que neste ano a sétima economia do mundo enfrentar uma situação melhor.

Caso sejam liberados os preços dos combustíveis, do transporte e da eletricidade, que até agora estiveram represados, a inflação poderia atingir neste ano o 6%, com um crescimento que poucos acreditam que irá atingir o 4% fixado pelo governo de Dilma Rousseff para poder enfrentar em melhores condições as eleições gerais do próximo ano.

No princípio de 2012, a Bolsa de São Paulo antecipou que cerca de 40 companhias sairiam à bolsa ao longo do ano. Apenas três fizeram isso. Segundo a pesquisa Doing Business do Banco Mundial, o Brasil figura no posto 130 no ranking mundial, enquanto a proporção do investimento estrangeiro direto em relação ao PIB foi de 1,9% em 2009 e de 2,9% em 2012, frente ao 7% do Chile entre 2008 e 2011.

Contudo, esses números não embaçam as inquestionáveis fortalezas do gigante sul-americano. O motor da economia brasileira é o consumo, que representa 60% do PIB, frente ao 35% na China. O Brasil está hoje entre os quatro maiores consumidores mundiais de uma longa série de produtos que vão desde as guloseimas aos licores. Neste ano, superará o Japão como o maior mercado do mundo de cosméticos, com 43 bilhões de dólares anuais, segundo Euromonitor. A ascensão de 35 milhões de pessoas à classe média na década passada criou condições de pleno emprego (4,6% de desemprego) nas seis principais cidades do país.

O ‘milagre agrário’ brasileiro


Porém, o desenvolvimento agrícola brasileiro é o que tem maiores envolvimentos globais. A mudança climática, a crescente escassez de água potável e a diminuição de terrenos cultiváveis em muitos países estenderam nos últimos anos um verdadeiro ‘agro-pessimismo’.

Dado que o poder aquisitivo nos países em desenvolvimento aumentará a um ritmo maior do que o crescimento demográfico –e que se verá acompanhado de um maior consumo de proteínas de origem animal–, para 2050 a produção de grãos terá que aumentar 50% e a de carne deverá ser duplicada para poder satisfazer a demanda global.



A ONU advertiu que em 2025 os dois terços da população mundial poderiam viver em condições de “estresse hídrico”. Dos 210 países do planeta, 190 já têm escassez de água e apenas em 10 o recurso é abundante. Segundo o World Water Resources Group, um terço da população mundial viverá, em meados do século, perto de bacias hidrológicas com um déficit de fornecimento para consumo humano de 50%.

Poucos países estão em condições de cobrir essas carências. Um deles é o Brasil. Segundo a FAO, o

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Revolução à Americana

Por Natalia Viana                         #WikiLeaks: Global Intelligence Files


Documentos vazados pelo WikiLeaks mostram como age uma organização que treina oposicionistas pelo mundo afora – do Egito à Venezuela




No canto superior do documento, um punho cerrado estampa a marca da organização. No corpo do texto lê-se: “Há uma tendência presidencialista forte na Venezuela. Como podemos mudar isso? Como podemos trabalhar isso?”. Mais abaixo, o leitor encontra as seguintes frases: “Economia: o petróleo é da Venezuela, não do governo. É o seu dinheiro, é o seu direito… A mensagem precisa ser adaptada para os jovens, não só para estudantes universitários… E as mães, o que querem? Controle da lei, a polícia agindo sob autoridades locais. Nós iremos prover os recursos necessários para isso”.

O texto não está em espanhol nem foi escrito por algum membro da oposição venezuelana; escrito em inglês, foi produzido por um grupo de jovens baseados em outro lado do mundo – na Sérvia.

O documento “Análise da situação na Venezuela, Janeiro de 2010”, produzido pela organização Canvas, cuja sede fica em Belgrado, está entre os documentos da empresa de inteligência Stratfor vazados pelo WikiLeaks.

O último vazamento do WikiLeaks – ao qual a Pública teve acesso – mostra que o fundador desta organização se correspondia sempre com os analistas da Stratfor, empresa que mistura jornalismo, análise política e métodos de espionagem para vender “análise de inteligência” a clientes que incluem corporações como a Lockheed Martin, Raytheon, Coca-Cola e Dow Chemical – para quem monitorava as atividades de ambientalistas que se opunham a elas – além da Marinha americana.
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Leia também:
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O Canvas (sigla em inglês para “centro para conflito e estratégias não-violentas”) foi fundado por dois líderes estudantis da Sérvia, que participaram da bem-sucedida revolta que derrubou o ditador Slobodan Milosevic em 2000. Durante dois anos, os estudantes organizaram protestos criativos, marchas e atos que acabaram desestabilizando o regime. Depois, juntaram o cabedal de conhecimento em manuais e começaram a dar aulas a grupos oposicionistas de diversos países sobre como se organizar para derrotar o governo. Foi assim que chegaram à Venezuela, onde começaram a treinar líderes da oposição em 2005. Em seu programa de TV, Hugo Chávez acusou o grupo de golpista e de estar a serviço dos Estados Unidos. “É o chamado golpe suave”, disse.

Os novos documentos analisados pela Pública mostram que se Chávez não estava totalmente certo – mas também não estava totalmente errado.


O começo, na Sérvia


“Foram dez anos de organização estudantil durante os anos 90”, diz Ivan Marovic, um dos estudantes que participaram dos protestos contra Milosevic, mas que não tem ligação com o grupo Canvas. “No final, o apoio do exterior finalmente veio. Seria bobo eu negar isso. Eles tiveram um papel importante na etapa final. Sim, os Estados Unidos deram dinheiro, mas todo mundo deu dinheiro: alemães, franceses, espanhóis, italianos. Todos estavam colaborando porque ninguém mais apoiava o Milosevic”, disse ele em entrevista à Pública.

“Dependendo do país, eles doavam de um determinado jeito. Os americanos têm um ‘braço’ formado por ONGs muito ativo no apoio a certos grupos, outros países como a Espanha não têm e nos apoiavam através do ministério do exterior”. Entre as ONGs citadas por Marovic estão o National Endowment for Democracy (NED), uma organização financiada pelo congresso americano, a Freedom House e o International Republican Institute, ligado ao partido republicano – ambos contam polpudos financiamentos da USAID, a agência de desenvolvimento americana que capitaneou movimentos golpistas na América Latina nos anos 60, inclusive no Brasil.

Todas essas ONGs são velhas conhecidas dos governos latinoamericanos, incluindo os mais recentes.
NYT
Foi o IRI, por exemplo, que ministrou “cursos de treinamento político” para 600 líderes da oposição haitiana na República Dominicana durante os anos de 2002 e 2003. O golpe contra Jean-Baptiste Aristide, presidente democraticamente eleito, aconteceu em 2004. Investigado pelo Congresso dos Estados Unidos, o IRI foi acusado de estar por trás de duas organizações que conspiraram para derrubar Aristide. Na Venezuela, o NED enviou US$ 877 mil para grupos de oposição nos meses anteriores ao golpe de Estado

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Brasil é país que mais concentra terras no mundo



Artigo avalia que, de forma associada, mercado e Estado passaram a praticar uma espécie de 'bullying' contra a Reforma Agrária, através do esvaziamento das políticas públicas para as famílias camponesas.

Da Comissão Pastoral da Terra (Regional Nordeste II)
Especial para Caros Amigos


O declínio dos dados referentes à Reforma Agrária em 2012 são assustadores. No ano que se encerrou, o Brasil assistiu a Reforma Agrária atingir um de seus piores indicadores em décadas. Em um país onde existem cerca de 200 mil trabalhadores e trabalhadoras em luta pela terra, o Governo Brasileiro desapropriou apenas 31 novas áreas, totalizando somente 72 mil hectares, segundo informações do próprio Incra. Neste mesmo ano, somente 23 mil famílias foram assentadas em 117 assentamentos criados a partir de processos muitos antigos. Índices tão baixos só foram atingidos na década de 90, com o Governo de Fernando Collor. O Brasil permanece com o posto de país que mais concentra terras no mundo.

Vale ressaltar que 120 milhões de hectares de terras em grandes propriedades improdutivas foram detectados quando da elaboração do segundo Plano Nacional de Reforma Agrária, em 2003. De lá até aqui, nenhuma medida concreta alterou a concentração de terras no país.

Já que o Governo não desapropria as terras dos latifúndios que não cumprem a função social, como manda a Constituição, deveria, ao menos, destinar as terras Públicas devolutas para fins de Reforma Agrária. O problema é que grande parte destas terras está sob domínio do agronegócio. São mais de 309 milhões de hectares de terras que o Censo agropecuário de 2006 classificou como "outras ocupações".

De acordo com as análises do professor e pesquisador Ariovaldo Umbelino, o dado corresponde como sendo terras públicas devolutas, que o Censo não incluiu na classificação. Soma-se a isto, milhares de hectares de Terras da União, que desde o século XIX, encontram-se nas mãos dos usineiros na região Nordeste, por exemplo, sem pagamento de impostos nem de taxas de aforamento. Onde existe ocupação de Terras da União por povos tradicionais e posseiros, há a ameaça do agronegócio e da mineração, como na região Norte.

Os números envergonham e comprovam: O Estado brasileiro não foi constituído para realizar uma ampla e radical modificação da estrutura da propriedade da terra e os diversos Governos que passaram pelo Palácio do Planalto nada ou pouco fizeram para tencionar em favor da democratização das terras no país.

Questão de Estado

Os números vergonhosos para o país resultam da escolha, histórica e injustificável, dos Governos pela implementação do agronegócio como modelo ideal de desenvolvimento para campo. O Capital

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Planeta Favela



PLANETA FAVELA (PLANET OF SLUMS)
Autor: Mike Davis
Editora: Boitempo (2006)

Se a imagem da metrópole no século XX era a dos arranha-céus e das oportunidades de emprego, Planeta Favela leva o leitor para uma viagem ao redor do mundo pelos realidade dos cenários de pobreza onde vive a maioria dos habitantes das megacidades do século XXI. 

O urbanista norte-americano Mike Davis investiga as origens do crescimento vertiginoso da população em moradias precárias a partir dos anos 80 na América Latina, na África, na Ásia e no antigo bloco soviético. Combinando erudição acadêmica e conhecimento in loco das áreas pobres das grandes cidades, Davis traz a história da expansão das metrópoles do Terceiro Mundo, analisando os paralelos entre as políticas econômicas e urbanas defendidas pelo FMI e pelo Banco Mundial e suas conseqüências desastrosas nas gecekondus de Istambul (Turquia), nas desakotas de Accra (Gana) ou nos barrios de Caracas (Venezuela), alguns dos nomes locais para as aproximadamente 200 mil favelas existentes no planeta. 

Cada aspecto dessa “nova cidade" é analisado: informalidade, desemprego, criminalidade; o gangsterismo dos senhorios que lucram com a miséria; a incapacidade do Estado de oferecer infra-estrutura e casas populares, e em contrapartida sua atuação nas remoções de “revitalização” que abrem caminho para a especulação imobiliária; as soluções ilusórias de ONGs e organismos multilaterais; os limites das estratégias de titulação de propriedade, os riscos ambientais e sanitários de se viver em favelas, com exposição a resíduos tóxicos e carência de saneamento básico; o crescimento do fanatismo religioso; e a disseminação de doenças como cólera e AIDS. 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Violência e Desigualdade Social

por DANIEL DUCLOS

Da relação direta entre ter de limpar seu banheiro você mesmo e poder abrir sem medo um Mac Book no ônibus



A sociedade holandesa tem dois pilares muito claros: liberdade de expressão e igualdade. Claro, quando a teoria entra em prática, vários problemas acontecem, e há censura, e há desigualdade, em alguma medida, mas esses ideais servem como norte na bússola social holandesa.

Um porteiro aqui na Holanda não se acha inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um professor doutor. Todos trabalham, levam suas vidas, e uma profissão é tão digna quanto outra. Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar e tomarem suas Heinekens juntos. Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por cima. A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos dependem de todos. Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A questão não é essa. A questão é “você ganhar mais porque tem uma profissão especializada não te torna melhor que ninguém”.


Profissões especializadas pagam mais, mas não muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto. Um lixeiro não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de 1300 euros/mês. Um bom salário de profissão especializada, é uns 3500, 4000 euros/mês. E ganhar mais do que alguém não torna o alguém teu subalterno: o porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando. Todos ali estão em um time, do qual você faz parte tanto quanto os outros (mesmo que seu trabalho dentro do time seja de tomar decisões).


Esses conceitos são basicamente inversos aos conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade. Entre brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções - estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos – chefe não te olha de cima, o garçom não te olha de baixo. Quando dão ordens ou ignoram socialmente quem tem profissão menos especializadas do que a sua, ficam confusos ao encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?


Os salários pagos para profissão especializada no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista, quando não uma empregada full time. Os salários pagos à mesma profissão aqui não são suficientes pra esse luxo, e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e mesmo que pague (bem mais do que pagaria no Brasil a) um ajudante, ele não ficará o dia todo a te seguir limpando cada poerinha sua, servindo cafézinho. Eles vêm, dão uma ajeitada e vão-se a cuidar de suas vidas fora do trabalho, tanto quanto você. De repente, a ficha do que realmente significa igualdade cai: todos se encontram no meio, e pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável (seja porque “estudaram mais” ou “meu pai trabalhou duro e saiu do nada” ou qualquer outra justificativa pra desigualdade).


Porém, a igualdade social holandesa tem um outro efeito que é muito atraente pra quem vem da sociedade profundamente desigual do Brasil: a relativa segurança. É inquestionável que a sociedade holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência – pessoas são assassinadas, há roubos. Estou fazendo uma comparação, e menos violenta não quer dizer “não violenta”.


O curioso é que aqueles brasileiros que queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro, elogiam incansavelmente a possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação entre as duas coisas. Violência social não é fruto de pobreza. Violência social é fruto de desigualdade social. A sociedade holandesa é relativamente pacífica não porque é rica, não porque é “primeiro mundo”, não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade. Há uma relação direta entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um Mac Book de 1400 euros no ônibus sem medo.


Eu, pessoalmente, acho excelente os dois efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não têm qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter “estudado mais”, ter doutorado, ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que ninguém, sinto muito. Não enxergo a superioridade moral de um trabalho honesto sobre outro, não importa qual seja. Por trabalho honesto não quero dizer “dentro da lei” - não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno, explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja legalizado ou não. O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior – mas não te torna superior a quem não tenha estudado (por opção, ou por falta dela). Quem seu pai é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é. E nada, meu amigo, nada te dá o direito de ser cuzão. Um doutor que é arrogante e desonesto tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não trapaceia ninguém. Profissão não tem relação com valor pessoal.


Não gosto mais do que qualquer um de limpar banheiro. Ninguém gosta – nem as faxineiras no Brasil, obviamente. Também não gosto de ir ao médico fazer exames. Mas é parte da vida, e um preço que pago pela saúde. Limpar o banheiro é um preço a pagar pela saúde social. E um preço que acho bastante barato, na verdade.


PS. Ultimamente vem surgindo na sociedade holandesa um certo tipo particular de desigualdade, e esse crescimento de desigualdade tem sido acompanhado, previsivelmente, de um aumento respectivo e equivalente de violência social. A questão dos imigrantes islâmicos e seus descendentes é complexa, e ainda estou estudando sobre o assunto.


UPDATE: Muita gente tem lido este post como uma idealização da Holanda como um lugar paradisíaco. Nada mais longe da verdade. A Holanda não é nenhum paraíso e tem diversos problemas, muitos dos quais eu sinto na pele diariamente. O que pretendo fazer aqui é dizer duas coisas: a origem da violência no Brasil é a desigualdade social e 2, apesar da violência que gera, muita gente gosta dessa desigualdade e fica infeliz quando ela diminui, porque dela se beneficia e não enxerga a ligação desigualdade-violência. Por fim: esse post não é sobre a Holanda. A Holanda estar aqui é casual. Esse post é sobre o Brasil, minha pátria mãe.
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Daniel Duclos, um brazuca morando em Amsterdam.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O Bolsa Família e a revolução feminista no sertão

A antropóloga Walquiria Domingues Leão Rêgo testemunhou, nos últimos cinco anos, a uma mudança de comportamento nas áreas mais pobres e, talvez, machistas do Brasil. O dinheiro do Bolsa Família trouxe poder de escolha às mulheres. Elas agora decidem desde a lista do supermercado até o pedido de divórcio



O DINHEIRO DO BOLSA-FAMÍLIA TROUXE PODER DE ESCOLHA 
ÀS MULHERES DO SERTÃO (FOTO: EDITORA GLOBO)

Uma revolução está em curso. Silencioso e lento - 52 anos depois da criação da pílula anticoncepcional - o feminismo começa a tomar forma nos rincões mais pobres e, possivelmente, mais machistas do Brasil. O interior do Piauí, o litoral de Alagoas, o Vale do Jequitinhonha, em Minas, o interior do Maranhão e a periferia de São Luís são o cenário desse movimento. Quem o descreve é a antropóloga Walquiria Domingues Leão Rêgo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nos últimos cinco anos, Walquiria acompanhou, ano a ano, as mudanças na vida de mais de cem mulheres, todas beneficiárias do Bolsa Família. Foi às áreas mais isoladas, contando apenas com os próprios recursos, para fazer um exercício raro: ouvir da boca dessas mulheres como a vida delas havia (ou não) mudado depois da criação do programa. Adiantamos parte das conclusões de Walquiria. A pesquisa completa será contada em um livro, a ser lançado ainda este ano.


MULHERES SEM DIREITOS

As áreas visitadas por Walquiria são aquelas onde, às vezes, as famílias não conseguem obter renda alguma ao longo de um mês inteiro. Acabam por viver de trocas. O mercado de trabalho é exíguo para os homens. O que esperar, então, de vagas para mulheres. Há pouco acesso à educação e saúde. Filhos costumam ser muitos. A estrutura é patriarcal e religiosa. A mulher está sempre sob o jugo do pai, do marido ou do padre/pastor. “Muitas dessas mulheres passaram pela experiência humilhante de ser obrigada a, literalmente, ‘caçar a comida’”, afirma Walquiria. “É gente que vive aos beliscões, sem direito a ter direitos”. Walquiria queria saber se, para essas pessoas, o Bolsa Família havia se transformado numa bengala assistencialista ou resgatara algum senso de cidadania,


BATOM E DANONE

“Há mais liberdade no dinheiro”, resume Edineide, uma das entrevistadas de Walquiria, residente em Pasmadinho, no Vale do Jequitinhonha. As mulheres são mais de 90% das titulares do Bolsa Família: são elas que, mês a mês, sacam o dinheiro na boca do caixa. Edineide traduz o significado dessa opção do governo por dar o cartão do benefício para a mulher: “Quando o marido vai comprar, ele compra o que ele quer. E se eu for, eu compro o que eu quero.” Elas passaram a comprar Danone para as crianças. E, a ter direito à vaidade. Walquiria testemunhou mulheres comprarem batons para si mesmas pela primeira vez na vida. Finalmente, tiveram o poder de escolha. E isso muda muitas coisas.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Alemanha registra menor desemprego desde reunificação




Mesmo com a crise mundial, taxa de desemprego em 2012 ficou em 6,8%. Governo prevê, contudo, que 2013 será difícil. Apesar da situação na zona do euro, economia robusta ajudou mercado de trabalho a se manter estável.

O mercado de trabalho da Alemanha viveu em 2012 seu melhor ano desde 1991, quando o país foi reunificado. A taxa de desemprego, divulgada pela Agência Federal Alemã do Trabalho (BA, em alemão) diminuiu 0,3% pontos perceuntuais em relação ao ano anterior e ficou em 6,8% – correspondendo a 2,9 milhões de desempregados, quase 80 mil a menos que em 2011.

O balanço positivo da taxa de desemprego tem relação com o bom início de ano registrado em 2012. Já durante o decorrer do período, o cenário se inverteu: a taxa de desemprego aumentou fortemente a partir de outubro, se comparada com os mesmos meses de 2011.

Mesmo com a boa notícia em relação a 2012 – ano marcado pela acentuação da crise financeira na zona do euro –, a agência ligou um "sinal de alarme" para o ano de 2013 e já antecipa que será um ano difícil, segundo palavras do seu presidente, Franz-Jürgen Weise. Mesmo assim, ele não espera uma ruptura no mercado de trabalho.


Weise calcula que haverá um leve aumento no desemprego na Alemanha em 2013

A taxa de desemprego começou a subir no final de 2012. Em dezembro, havia 2,84 milhões de desempregados registrados – 88 mil a mais do que em novembro e 60 mil a mais do que no mesmo mês do ano anterior. O mercado de trabalho reagiu "de forma robusta" no final do ano em relação à crise, disse Weise.

Para quase todos os especialistas, o mercado de trabalho alemão está notavelmente fortalecido em comparação com os países do resto da Europa – o que, para Holger Schäfer, especialista em mercado de trabalho do Instituto da Economia Alemã (IW, em alemão), tem diversos motivos. "Um deles é o fato de que, com a exceção de 2009 – quando tivemos a crise –, tivemos um forte desenvolvimento da conjuntura econômica. Isso nos ajudou muito", frisou Schäfer em entrevista à DW.

Outro ponto, segundo o especialista, foi a demografia. A oferta de mão de obra caiu. Os mais velhos que deixam o mercado de trabalho são mais numerosos do que os que entram no mercado. "E finalmente colhemos também uma parte das reformas implementadas pelo governo Gerhard Schröder [chanceler federal alemão de 1998 a 2005], que tornou nosso mercado de trabalho muito mais eficiente e flexível."

A taxa de desemprego na parte ocidental da Alemanha atingiu 5,9%, e na parte oriental, 10,7%. O estado alemão que registrou a menor taxa média foi a Baviera, com 3,7%. A pior situação foi registrada na capital, Berlim, com taxa média de desemprego de 12,3%.

Sinal de alarme para 2013

O presidente da BA explicou, porém, que houve sinais claros de "uma aceleração mais lenta da conjuntura econômica". Mesmo com o risco em baixa de se tornar desempregado, haveria o risco de não conseguir encontrar um emprego. "Isso significa que as empresas estão cautelosas no que se refere ao recrutamento [de novos funcionários] em uma situação econômica incerta", explicou.

Para este ano, Weise calcula um leve aumento da taxa de desemprego "para um pouco mais de 2,9 milhões de pessoas", sendo que o número de ocupados deve permanecer estável. O sinal de alarme para 2013, porém, não deve ser ignorado.

FC/dw/dpa/dpad/rtr
Revisão: Francis França