sábado, 14 de junho de 2014

Ei, Dilma, Vai tomar no Cú!

Por PAULO FRANCO


"A classe média é  uma abominação política, porque ela é fascista. É uma abominação ética porque ela é violenta e é uma abominação cognitiva porque ela é ignorante.” (Marilena Chauí)



O título é muito agressivo, eu sei,  mas a idéia é exatamente essa, expressar a realidade, nua e crua.  Tem coisas que o ser humano normalmente,  só faz entre quatro paredes, como ficar nú, por exemplo.  Por outro lado, tem coisas que o ser humano só faz quando está em grupo, como agredir homosexuais, agredir um torcedor rival, etc.  

A frase-título foi cantada em coro por uma ala das arquibancadas da Arena Corinthians, palco da abertura e do primeiro jogo da Copa do Mundo 2014.  Se houveram pessoas com coragem de pronunciá-las, de gritá-las em alto e bom som, não há porque, por pudor, deixar de escrevê-la, lê-la e até refletir sobre ela e compartilhar reflexões.

A VAIA, A LIBERDE DE EXPRESSÃO E A DEMOCRACIA




Na verdade, eu estava escrevendo uma postagem sobre os dilemas da vaia.  Tanto no seu aspecto linguístico, que tem se caracterizado como um excelente instrumento de expressão coletiva, como também do ponto de vista cultural, numa perspectiva antropológica, na medida em que caracteriza uma forma de expressão das sociedades modernas. 

A vaia não é uma linguagem individual, mas de grupo e ocorre invariavelmente em eventos que envolve muitidão. Ela expressa fundamentalmente a desaprovação do grupo a uma determinada pessoa, decisão ou ação.
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A vaia, indiscutivelmente, é uma comprovação irrefutável da existência de um ambiente de liberdade de expressão. Seria impossível presenciar a ocorrência de uma vaia num discurso de Hitler na Alemanha nazista, de Mussolini na Italia fascista, de Costa e Silva na Ditadura civil-militar no Brasil, de Videla na Argentina, de Pinochet no Chile, de Somoza na Nicarágua e assim por diante. A vaia é sim um grande instrumento democratico e ao mesmo tempo, um grande instrumento de expressão e de comunicação social.

Dentro desse contexto é fundamental o reconhecimento e a aceitação da ocorrência da vaia.  A sua aceitação e reconhecimento é condição sine-qua-non para o seu entendimento e a sua leitura.  É preciso saber interpretar o que está explícito e o que está implicito na ocorrência de uma vaia. Há que se identifricar os seguimentos e as forças que estão diretamente e indiretamente envolvidos na emissão da vaia.

Na verdade, uma boa liderança saber gerir o momento de aflição, mantendo a serenidade e conduzir o processo com objetividade e racionalidade.  Dependendo da competencia em gestão e liderança da vítima, a vaia pode ser transformada num excelente mecanismo de feed-back , ou seja, um excelente instrumento de gestão, utilizando-a a seu favor.


QUANDO O ÓDIO EXTRAPOLA O BOM SENSO, O RESULTADO É A VIOLÊNCIA





Tenho que dar o braço a torcer à filósofa Marilena Chauí, quando ela diz: "A classe média é uma
abominação política, porque ela é fascista. É uma abominação ética porque ela é violenta e é uma abominação cognitiva porque ela é ignorante”.   Não poderia ter ocorrido um episódio mais ilustrativo do que a manifestação tosca e extremamente agressiva ocorrida na abertura da Copa do Mundo na Arena Corinthians, dirigida à Presidente Dilma Rousseff.  A presidenta, que além de estar acompanhada de diversas autoridades internacionais, inclusive alguns chefes de estado, estava, também, sob o olhar de 3,6 bilhões de pessoas em mais de 200 países ao redor do mundo.

Se fosse simplesmente uma vaia,  já seria de mau gosto, de má educação, de falta de respeito.  Numa sociedade com razoável padrão civilizatório nem uma vaia ocorreria em um evento dessa envergadura, onde a imagem do país, e não especificamente a do governo, está sendo enviada para o mundo todo.   Afinal de contas somos o "país do futebol", embora sendo um evento privado, é a seleção brasileira que entra em campo, a camisa é como a bandeira e entoamos o hino nacional antes de todos os jogos.  Sem falar que o evento é uma gigantesca vitrine do pais, com a oportunidade rara de mostrar ao mundo o Brasil e o povo brasileiro. 

Mas o que vimos não foi uma vaia, mas uma demonstração, para todo o mundo,  de um atraso civilizatório lamentável em que se encontra nossa sociedade.  Mesmo sendo praticado por um grupo específico, uma área localizada do estádio, a expressão vexatória foi propagada para o mundo todo.  Uma demonstração de má educação, de desrespeito, de brutalidade, de ignorância, de truculência e acima de tudo, de ódio.

Como sabemos, a grande maioria do povo brasileiro é da classe baixa.  Esse segmento da sociedade não estará presente em nenhuma partida da Copa do Mundo, salvo raras exceções, em função do custo do ingresso.  O público presente era composto basicamente da classe média para cima.  Mesmo assim o coro vexatório não vinha de todo o estádio, mas somente uma um setor específico, como pode ser visto pelo vídeo anexo.  Segundos muitos observadores, esse seria o setor VIP do estádio.  O que torna o episódio mais deprimente, já que se trata de um público com formação escolar, uma situação econônima e uma posição social típico de classes privilegiadas, muito distante de 90% da população brasileira.

É evidente que, salvo os segmentos mais conservadores, mais arcaicos da sociedade, o repúdio foi geral, de tão grotesto, agressivo e medieval. Jean Wyllys, deputado federal pelo PSOL, portanto, opositor ao PT e à Dilma Rousseff, se mostrou muito indignado com o ocorrido. "Sim, eu senti vergonha por conta da vaia e do insulto à presidenta Dilma no jogo de abertura da Copa do Mundo.  "Sim, a vergonha foi maior porque a gente que puxou a vaia se considera "fina, culta e educada" e vive chamando de "mal-educados, grosseiros e sem-modos" aqueles que não têm a sua cor, a sua renda nem seus privilégios (inclusive o de poder adquirir o caríssimo ingresso para estar naquela arquibancada). Sim, mal-educada, grosseira e sem-modo é mesmo aquela gente, que, pouco acostumada com a civilidade, não tem senso de oportunidade nem sabe fazer oposição política sem resvalar para a baixaria...."
Os jornalistas da ESPN, entre eles José Trajano e Juca Kfouri da ESPN, repudiaram  o ato.  Kfouri disse que os xingamentos vieram da"elite branca e intolerante.  Gente que tem dinheiro, mas não tem educação e nem civilidade". Frei Betto também se posicionou:  "Toda a minha solidariedade à presidente Dilma, que não mereceu as vaias dadas na abertura da Copa. Ela representa o Brasil, não o PT.  Não foi o povão que vaiou Dilma na abertura da Copa. O povão ficou de fora do estádio. Foi a parcela da elite que odeia políticas sociais."

  

Não estamos falando de um ditadora que tomou o poder por um golpe militar sangrento.  Mas de uma presidente eleita democraticamente e que cumpre seu mandato sob os ditames da Constituição Federal.   A democracia no Brasil tem eleições presidenciais a cada 4 anos, quando a sociedade escolhe quem deseja assumir o comando do país pelos 4 anos seguintes e assim sucessivamente. 

Ademais, é importante ressaltar que não foi visto coisa semelhante com nenhum presidente do país em situações infinitamente piores do que estamos vivendo. Além do período sangrento da ditadura, tivemos a crise economica no cruzado 2, com Sarney.  Tivemos o confisco dos investimentos e dos recursos da sociedade do Plano Collor.  Tivemos a crise cambial em 1999 e depois a crise economica de 2001/2002, quando o país ficou no fundo do poço, literalmente quebrado.  Nunca houve uma manifestação tão grotesta.

Porque ocorre isso atualmente?  A única explicação plausível é que todos as crises foram geradas por governos da direita conservadora, na mesma linha ideológica, economica e social desde o golpe de 64.  Atualmente não há nenhuma crise, temos os melhores indicadores econômicos e sociais de toda a história do país e estamos avançando posições a cada dia no cenário internacional.   O problema não é gestão, é ideologia.   A mesma classe social, a classe dominante, ou a burguesia nacional que prendeu e torturou Dilma, Genoíno, Zé Dirceu, é a que prendeu novamente Genoino, Zé Dirceu, e está promovendo essas barbaridades como a ocorrida na abertura da copa contra a presidente, como está por trás de todos os protestos que visa criar uma cenário para a derrubada desse governo, seja por eleição ou por outra forma qualquer.




DILEMAS DA CLASSE MÉDIA EM UM MODELO SOCIAL ULTRAPASSADO E FALIDO


Só não concordo com a Marilena Chauí que sua concepção se aplica a toda a classe média.  Acho que há muitas pessoas nessa classe média que "tem salvação", que tem a cabeça "arejada" e capacidade de abrir espaço para entender e aceitar as mudanças que o país está experimentando e que não pode haver retrocesso. 

As sociedades normalmente se dividem em 3 grandes classes sociais: a baixa, a média e a alta.   Grosso modo a classe alta é a classe dominante e as classes média e baixa são as classes dominadas.  Nos países desenvolvidos grande parte da população são de classe média, tanto a classe alta quanto a classe baixa são minoria.  Em países subdesenvolvidos como o Brasil, a esmagadora maioria da população são da classe baixa, sendo uma minoria da classe média e um número menor ainda de classe alta.  Outra grande diferença nas estruturas sociais dos países desenvolvidos dos países subdesenvolvidos é a distância entre as classes.  Principalmente na questão da distribuição de rendas.  Enquanto que a distância nos países desenvolvidos é pequena, nos países sub-desenvolvidos ela é gigantesca.  Países sub-desenvolvidos têm índices de gini muito altos. 

Embora a classe média faça parte do bloco social dominado, ela tem um papel social fundamental na estrutura social definida pela classe dominante.   Sendo permitida a ela ganhos financeiros, status social e um possível (mas pouco provável) assenção à classe alta, seu papel é gerir os processos sociais de forma a manter a classe baixa, sob domínio e produzindo para a classe superior.  O papel da classe média é análogo ao papel do Capitão do Mato, num regime escravocrata, embora pertencente à classe dominada, ela acaba se transformando no verdadeiro algoz da classe baixa.  Da perspectiva da classe dominada,  cai como uma luva, a expressão de Simone de Beauvoir: "O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos".





A classe média neste contexto, transformou-se no maior obstáculo para mudanças estruturais, principalmente no que se refere à acensão da classe baixa à esse faixa.   A perda da classe média não é tanto econômica, mas de status social.  Como já dito, a classe média no Brasil é relativamente pequena percentualmente, em comparação com os países desenvolvidos.  É a classe baixa que concentra a grande maioria da população.  Se a classe média não consegue realizar seu sonho de se integrar a classe alta, pelo menos ela tem um status de estar acima de milhões de Brasileiros o que lhe confere uma "superioridade" social que de certa proporciona uma posição extremamente confortável.  A ascenção social da classe inferior significa perder toda aquela distinção conferida pelo status anterior.

Políticas, programas e ações governamentais que retirou mais de 30 milhões da pobresa, 40 milhões que ascenderam à classe média (no conceito restrito de renda), programa de quotas, prouni, pronatec, pec das domésticas, ciência sem fronteiras, minha casa minha vida, entre muitos programas de inserção social, são vistos pela classe média como um terror, um verdadeiro apocalipse.  Uma parcela chagam aos absurdo, ao devaneio de que está havendo uma revolução comunista no país.   Dá para entender (não concordar, ou aceitar) o ódio que vai se formando no seio da classe "ameaçada", ao partido que está conduzindo esse processo, o PT.























Ser integrante da classe média é extremamente estressante. É meio como o velho ditado: "Na guerra entre o mar e o rochedo, quem sofre é o marisco".   Embora a classe média pertença à classe dominada, ela tem como padrão, referência a classe alta.  Escrava de sua ganância pelo, dinheiro, poder e status social, ela vive sob o fogo cruzado, decorrente do conflito entre a classe dominante e a classe dominada.  Se de um lado tem a classe alta com seu poderio econômico, forte como um rochedo, de outro lado tem a classe baixa, que vivendo em permanente opressão e explorada, está sempre no limiar de uma explosão.  O escudo da classe alta (dominante) é a classe média, que quase nunca consegue sair desse lugar.

É essa combinação de frustração de não ascender à classe dominante com o risco real de perda do status é que faz a classe média ser tão refratária, tão violenta, caracterizando-se na maior trincheira que impede o avanço social, no que diz respeito à flexibilização da estrutura social vigente.


Como epílogo da discussão sobre os dilemas, as indissiocrasias da classe média no Brasil, nada melhor do que este video-reportagem da TV-Folha.    Atentem para o nível de politização, informação, a prepotência de falar em novo do "povo" e até a índole, na medida em que se posicionam esplicitamente sobre o Mensalão (petista, sobre o tucano nada) e sobre o Demóstenes como uma traíção à classe e não como um crime a ser punido.




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