terça-feira, 17 de novembro de 2015

Žižek: O ateísmo é um legado pelo qual vale a pena lutar

Por Slavoj Žižek
"A única maneira de demonstrar verdadeiro respeito a Deus é agir moralmente ignorando sua existência." (David Hume)

No contexto do lançamento do aguardado O absoluto frágil, ou, porque vale a pena lutar pelo legado cristão, de Slavoj Žižek, recuperamos este artigo do filósofo esloveno que procura reabilitar, da perversa ética multiculturalista do capitalismo contemporâneo, o núcleo emancipatório do ateísmo. Ao invés de se relacionar de forma exterior com a religião – sucumbindo assim à armadilha da “tolerância” –, Žižek subverte a abordagem e propõe levarmos a crença a sério e cobrar dos crentes a responsabilidade sobre aquilo em que creem. É esta perspectiva avessa ao lugar comum que anima também O absoluto frágil, um ensaio explosivo que defende uma aproximação entre o cristianismo e o marxismo num projeto político emancipatório renovado. Nas palavras do esloveno: “O primeiro paradoxo da crítica materialista da religião é este: às vezes é muito mais subversivo destruir a religião a partir de dentro, aceitando sua premissa básica para depois revelar suas consequências inesperadas, do que negar por completo a existência de Deus.” Confira!

* * *

Por séculos, nos foi dito que sem religião não somos mais do que animais egoístas lutando pelo nosso quinhão, nossa única moralidade a de uma matilha de lobos; apenas a religião, dizem, pode nos elevar a um nível espiritual mais alto. Hoje, quando a religião emerge como a fonte de violência homicida ao redor do mundo, garantias de que fundamentalistas cristãos ou muçulmanos ou hinduístas estão apenas abusando e pervertendo as nobres mensagens espirituais de seus credos soam cada vez mais vazias. Que tal restaurar a dignidade do ateísmo, um dos maiores legados da Europa e talvez nossa única chance de paz?
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Mais de um século atrás, em Os Irmãos Karamazov e outras obras, Dostoiévski alertava sobre os perigos de um niilismo moral sem deus, defendendo essencialmente que, se Deus não existe, então tudo é permitido. O filósofo francês André Glucksmann até mesmo aplicou a crítica de Dostoiévski do niilismo sem deus ao 11 de setembro, como sugere o título de seu livro, Dostoiévski em Manhattan.

O argumento não poderia estar mais errado: A lição do terrorismo atual é que, se Deus existe, então tudo, incluindo explodir milhares de espectadores inocentes, é permitido – pelo menos àqueles que alegam agir diretamente em nome de Deus, já que, claramente, uma ligação direta com Deus justifica a violação de quaisquer refreamentos e considerações meramente humanos. Resumindo, os fundamentalistas não se tornaram diferentes dos comunistas Stalinistas “sem deus”, para os quais tudo foi permitido, já que viam a si mesmos como instrumentos diretos de sua divindade, a Necessidade Histórica do Progresso em Direção ao Comunismo.

Fundamentalistas fazem o que veem como boas ações de forma a satisfazer o desejo de Deus e ganhar a salvação; ateus o fazem simplesmente porque é a coisa certa a fazer. Não seria essa também nossa experiência mais elementar de moralidade? Quando faço uma boa ação, não a faço visando ganhar um favor de Deus; faço porque, se não fizesse, não poderia me olhar no espelho. Uma atitude moral é por definição sua própria recompensa. David Hume argumentou isso pungentemente quando escreveu que a única maneira de demonstrar verdadeiro respeito a Deus é agir moralmente ignorando sua existência.

Dez anos atrás, Europeus debatiam se o preâmbulo da Constituição Europeia deveria mencionar o cristianismo. Como de costume, um meio termo foi arranjado, uma referência em termos gerais à “herança religiosa” da Europa. Mas onde estava o legado mais precioso da Europa, o do ateísmo? O que faz da Europa moderna única é que ela é a primeira e única civilização em que o ateísmo é uma opção plenamente legítima, e não um obstáculo a qualquer posição pública.

O ateísmo é um legado europeu pelo qual vale a pena lutar, não menos por criar um espaço público seguro para os que creem. Considere o debate que inflamou-se em Ljubljana, a capital da Eslovênia, meu país natal, conforme a controvérsia constitucional fervia: muçulmanos (em sua maioria trabalhadores imigrantes das antigas repúblicas Iugoslavas) devem ter permissão para construir uma mesquita? Enquanto os conservadores opunham-se à mesquita por razões culturais, políticas e até arquitetônicas, a revista semanal liberal Mladina foi consistentemente explícita em seu apoio à mesquita, em continuar com suas preocupações pelos direitos daqueles que vinham de outras antigas repúblicas Iugoslavas.

Não surpreendentemente, dadas as atitudes liberais, Mladina também foi uma das poucas publicações eslovenas a republicar as caricaturas de Maomé. E, reciprocamente, aqueles que demonstraram maior “compreensão” pelos violentos protestos muçulmanos causados por aqueles cartuns foram também aqueles que regularmente expressavam sua preocupação com o futuro do cristianismo na Europa.

Estas alianças estranhas confrontam os muçulmanos da Europa com uma escolha difícil: A única força política que não os reduz a cidadãos de segunda classe e os concede o espaço para expressar sua identidade religiosa são liberais ateus “sem deus”, enquanto aqueles mais próximos a suas práticas religiosas sociais, seu reflexo cristão, são seus maiores inimigos políticos.

O paradoxo é que os únicos verdadeiros aliados dos muçulmanos não são aqueles que primeiramente publicaram as caricaturas para chocar, mas aqueles que, em defesa do ideal da liberdade de expressão, republicaram-nas.

Enquanto um verdadeiro ateu não tem necessidade de apoiar sua própria posição provocando crentes com blasfêmia, ele também se recusa a reduzir o problema das caricaturas de Maomé ao respeito às crenças de outras pessoas. O respeito às crenças dos outros como o valor maior só pode significar uma de duas coisas: Ou tratamos o outro de forma condescendente, evitando magoá-lo para não arruinar suas ilusões, ou adotamos a posição relativista de vários “regimes da verdade”, desqualificando como imposição violenta qualquer posição clara em relação à verdade.

Mas que tal submeter o Islã – junto com todas as outras religiões – a uma respeitosa, mas por isso mesmo não menos implacável, análise crítica? Essa, e apenas essa, é a maneira de mostrar verdadeiro respeito aos muçulmanos: tratá-los como adultos responsáveis por suas crenças.

* Publicado originalmente em inglês no The New York Times em 13 de março de 2006. A tradução, ligeiramente modificada, é de Ale GM para o Bule Voador.
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Blog da Boitempo

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Como a CIA promove a derrubada de governos

Por Marco Weissheimer


"A ideia é que o governo imploda e que isso cause caos. Com o país em caos, é possível recorrer a meios mais extremos." (Raúl Capote)


A missão da CIA para Raúl Capote era formar líderes universitários e criar o projeto “Genesis”, com o objetivo de estabelecer em Cuba a estratégia do “golpe suave”, elaborada por autores como Gene Sharp.  (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Entre 2004 e 2011, o escritor e professor cubano Raúl Antonio Capote Fernández atuou, a pedido da inteligência cubana, como agente duplo infiltrado na CIA. Raúl Capote foi contatado muito jovem por pessoas ligadas à agência de inteligência norte-americana e convidado a participar de um projeto que pretendia criar uma “oposição de novo tipo” em Cuba, capaz de, após o desaparecimento de Fidel Castro, iniciar uma “revolução suave” que acabasse por derrubar o governo de Havana. A sua missão era formar líderes universitários e criar o projeto “Genesis”, com o objetivo de estabelecer em Cuba a estratégia do “golpe suave”, elaborada por autores como Gene Sharp.

Em entrevista ao Sul21, Raúl Capote conta essa experiência, relata como ela fracassou em Cuba e diz que ela já foi aplicada em países como Venezuela, Irã e Líbia e que segue sendo implementada em diversas regiões do mundo. “A ideia da guerra não violenta consiste em ir solapando os pilares de um governo até que ele imploda. O objetivo não é fazer com que um governo renuncie. Se isso acontecer, o projeto fracassou. A ideia é que o governo imploda e que isso cause caos. Com o país em caos, é possível recorrer a meios mais extremos”, assinala.

Raúl Capote veio a Porto Alegre a convite da Associação Cultural José Martí/RS para participar de uma série de encontros e debates. Ele mantém o blog El Adversário Cubano, onde conta outros detalhes sobre essa história e sobre outras “guerras não violentas” em curso no planeta.

Sul21: Como é que você começou a trabalhar com assuntos de segurança em Cuba e sob que circunstâncias se tornou um agente duplo, atuando infiltrado na CIA?

Raúl Capote: Isso começou em 1986. Eu era um jovem inquieto e rebelde que fazia parte de uma organização chamada Associação Hermanos Saiz, que agrupava jovens poetas, pintores e escritores. Esse espírito rebelde para nós era algo muito natural. Fomos ensinados a ser assim. Creio

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Brasil pode ser o primeiro País a liberar semente Terminator

Por Sue Brandford


Projeto de lei avança no Congresso e pode disseminar sementes propositalmente estéreis produzidas por multinacionais

As Terminator são sementes modificadas geneticamente para ficarem estéreis a partir da 2ª geração


 Grupos de lobby costumam se aproveitar de governos enfraquecidos, e o Brasil não é exceção. Em meio à atual crise política, a bancada ruralista no Congresso se movimenta para aprovar um projeto de lei que modificaria a Lei de Biossegurança. Se aprovado, o PL 1117 fará do Brasil o primeiro país no mundo a legislar em favor do cultivo comercial de plantas propositalmente estéreis, afrouxando a proibição às chamadas sementes Terminator.

Ambientalistas acreditam que o PL, hoje avançando no Congresso com pouca discussão, representa uma das maiores ameaças de todos os tempos à biodiversidade brasileira.

A intenção da bancada ruralista não é nova. Desde a aprovação da Lei de Biossegurança em 2005 esses parlamentares tentam liberar o cultivo de plantas Terminator. A diferença desta terceira tentativa é que nunca as chances de aprovação foram tão grandes.
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O filho da ministra de Agricultura, Kátia Abreu, Irajá Abreu (PSD-TO) apresentou o primeiro projeto de lei em 2005 e hoje comanda a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados. É nesta comissão que Alceu Moreira (PMDB-RS) apresentou o novo texto.

domingo, 8 de novembro de 2015

Deputados rejeitam medidas de Combate à Corrupção

Por André Barrocal


Medida apresentada por Joaquim Levy foi recomendada pela OCDE em um esforço global contra sonegadores


O ministro da fazenda Joaquim Levy e o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, divulgam relatórios sobre o Brasil

A Organização Para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é um clube de países ricos atualmente empenhado em disseminar pelo mundo propostas de combate à sonegação de impostos. Em viagem ao Brasil nos últimos dias, seu secretário-geral, Angel Gurría, tratou do assunto com Dilma Rousseff e com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Deve ter voltado para a casa decepcionado.

Enquanto Levy e Gurría reuniam-se na terça-feira 3, a Câmara derrubou uma proposta anti-sonegação apresentada pelo Ministério da Fazenda por inspiração da OCDE. A proposta obrigava os contribuintes a informar uma vez por ano à Receita Federal todas as operações feitas para pagar menos imposto, o chamado planejamento tributário. Nada feito: 239 deputados votaram contra e só 169, a favor.
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Na justificativa enviada ao Congresso junto com a proposta, Levy dizia que a “medida estimula uma postura mais cautelosa por parte dos jurisdicionados [contribuintes] antes de fazer uso de planejamentos tributários agressivos”.

O governo anda surpreso com o tamanho da criatividade empregada pelos contribuintes para fugir do