quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Não aprendi muito com "Que horas ela volta?"

Por Ingrid Fagundez



Em seu escritório, na sede do sindicato dos empregadores domésticos do Estado de São Paulo, Margareth Carbinato balança a cabeça a cada cena em que Jéssica enfrenta os patrões da mãe, a empregada Val, interpretada por Regina Casé no filme "Que Horas Ela Volta?", de Anna Muylaert.

Jéssica senta na cama do quarto de hóspedes, testando o colchão. "Ninguém dorme aqui?". Na exibição do longa, acompanhada pela sãopaulo, o olhar de Margareth é de reprovação. "Não é porque o doméstico reside na casa que vai poder tomar certas liberdades como se fosse um hóspede. "
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Presidente de honra e fundadora do sindicato, ela diz que "está faltando no ser humano cada um saber o seu lugar" e critica o que considera falta de profissionalismo das domésticas.


sãopaulo - O filme é factível? Gostou?

Margareth Carbinato - Não é comum patrão acolher parentes de empregada. Acho que quem escreveu o filme quis dar uma conotação do patrão querendo se impor, mas não quero acreditar nisso, porque na casa o dono deve colocar a ordem. A [Regina] Casé estava maravilhosa, fez o papel de uma empregada consciente. Se sentiu oprimida pelas atitudes da filha. Houve um "abuso" da menina. Gostei do papel da patroa porque ela foi até onde suportou e não ofendeu. Não aprendi muita coisa com o filme e acho que você sempre tem que extrair uma mensagem. Não entendi a mensagem.

Os empregadores se colocam no lugar da patroa no filme?

É muito fácil você criticar. A Bárbara não tem nada de vilã. Coloque-se no lugar dela, absorva o que aconteceu com ela, na casa dela, para depois falar alguma coisa. Ninguém, em sã consciência, gostaria de ter uma situação dessa na própria casa.

Do que os patrões costumam reclamar no sindicato?

A queixa é a seguinte: tem empregado que desaparece do emprego e entra na Justiça falando que o
patrão mandou embora. O empregador ainda não assimilou a relação empregatícia. Não toma cuidado em ter a documentação do empregado e depois não sabe como fazer. O empregador tem que se conscientizar de que precisa ter os documentos porque a realidade é outra, não é mais aquela relação que anos atrás era mais próxima.

O que mudou no comportamento?

Tem um ditado que diz "quem nunca comeu mingau, quando come se lambuza". Tenho medo de como caminhará em uns anos, porque hoje ninguém respeita ninguém, todo mundo quer tirar proveito.

Não há mais consciência de direitos?

Não sou fã desse discurso porque existem profissões que não têm os direitos que os domésticos conquistaram. Agora, não sei como poderia falar, porque não sou da época da escravatura. Quando nasci não existia empregado com bola no pé nem pelourinho. Então resquício de escravatura, como dizem...não é resquício de coisa alguma, é falta de educação. Não é porque conquistei um direito que vou chegar para o patrão e dizer: "seu tonto, agora quero meus direitos". Ele vai dar, não precisa agredir.

O que faz uma boa empregada?

O respeito mútuo é fundamental em todas as áreas. Eu, como advogada, não vou entrar numa sala de audiência sem pedir licença. Princípios básicos que não precisam ser ditos. É respeito. Essa palavra precisa fazer parte do dia a dia. Então, acho que o que está faltando no ser humano é cada um saber o seu lugar. Você tem direitos, respeite o meu.

E a desigualdade no Brasil?

Meu amor, desigualdade...A única desigualdade que vi até agora foi um absurdo de que tomei conhecimento. Uma família que tem um hotel no centro da cidade, paga IPTU e, como estavam querendo vender o hotel e é difícil de vender, o local foi invadido pelos sem terra, os sem teto da vida. Quatrocentas famílias. [Os donos do hotel] Entraram na Justiça para reaver o que era deles e aí vem um promotor perguntando onde os proprietários vão colocar as famílias. Se fosse eu, esqueceria a educação que meus pais me deram e daria uma resposta. Eles não puderam fazer nada até agora. Que espécie de governo eu tenho?
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FONTE: Folha de São Paulo



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